quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Festividades inesquecíveis.

Festividades inesquecíveis podem custar caro. Dia 23, pela segunda vez, foi inusitado e cheio de ressaca sem bebida. Como lidar com seu jeito inseguro, Fernanda? Queria poder cantar "que se dane meu jeito inseguro" com mais sinceridade, mas não canto ou entendo, não entendo sequer meus questionamentos mudos, minhas lembranças com tapas na cabeça, inevitáveis tapas na cabeça. "Nem tudo que eu faço tem um porquê", mas deveria. Raios e trovões, maldições egípcias. Por quê? Maldição! Eu me ausento, me ausento por uns tempos e sinto muita falta daqui e de vocês, é verdade. Porém, antes do dia 3 estou de volta e atualizo todas minhas leituras.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Uma tarde de lágrimas e descobertas.

- Mas meu cabelo está sujo. - Ah, deixe de ser chata e vai logo. - Quer ir junto? - Pode ser.. Chegaram no local combinado e ninguém ainda tinha entrado, estavam esperando sabe-se lá o que, com rostos felizes: - Vamos entrar? - Estamos esperando. Então nossa protagonista deu a mão ao seu pequeno irmão e foi correr em volta da praça, viram uma estátua, se aproximaram e haviam vomitado na base dela. "Ew", disseram em coro e continuaram a correr. Quando se cansaram, juntaram-se ao grupo de músicos que já estavam prontos para entrar no bar, apesar de nada ter mudado. - Ah não, vai demorar, você disse que só daríamos um abraço, que saco. - Ai, filha, calma, as meninas nem chegaram ainda. A garota fez bico e se sentiu triste sem ter certeza do porquê, talvez fosse porque sua mãe tinha todos aqueles amigos incríveis e ela estava lá com eles, porém sozinha. - A faz teatro. - Faz, é? Interessou-se o trombonista. - Faço sim. - É a primeira peça profissional dela, mas todo mundo adora. Endossou a mãe, que costumava ser caixista. - É, é muito legal, estou adorando muito fazer. - A última peça não-profissional que ela fez o Biel participou também, , bebê? - Sim, eu era o filhinho. Disse o irmãozinho meio tímido, meio orgulhoso. - E você teve que ir assistir com uma toalha de mesa, ? Babador não serviu. Comentou a sorridente tubista. A partir de então a menina não se sentiu mais sozinha, sentiu-se um deles, embora não fosse. Falou de suas ambições musicais, recebeu conselhos, fez um monte de projetos mentais, conversou, conversou e conversou e notou o quanto era tola por desperdiçar tesouro tão importante que tinha dentro da família, toda aquela sabedoria musical, toda aquela alegria. A banda.. a banda.. tinha uma outra caixista na banda e ela estava com câncer de mama, careca, extremamente alto-astral: - Ah, só é um saco que quando você começa a melhorar da químio, chega o dia da próxima. - É de quanto em quanto tempo? - 21 dias. Mas graças a Deus já foram 2, são 6, faltam só 4. - Ah, pelo menos já foi a metade. - Como, mãe? Riu-se a menina. - Sim, oras.. ah.. eu nunca fui da matemática. - Sempre foi, se é da música, é da matemática. - Mas paro por aí. E até esse assunto era leve naquela mesa onde cada um bebia um suco colorido diferente. Então começaram as lembranças: - Posso contar sua mal criação? Perguntou a primeira caixista pra segunda, que sorriu. - Pode. - Na frente do seu marido? Riu-se a outra. - Pode. E fez expressão fingida de vergonha carinhosa. - O Mané (maestro) é como um pai pra mim, mas era bravo! E o pessoal da cozinha (bateria) sempre ficava de castigo, toda a molecada ia pro parque brincar nos brinquedos de graça, mas como tinha alguém ? E nesse momento ela sorriu um sorriso engraçado e repressor pra segunda caixista. Que errava nós nunca tínhamos intervalo e ficávamos lá, tan, tan, tan tarara, tan, tan.. Então nossa querida Ingride, depois do intervalo, pediu pra ir no banheiro, o Mané "não", "mas eu estou apertada", "toca e fica quieta". Ela olhou pra mim e disse "vou fazer nas calças" eu comecei a rir e falei "tem coragem?" quando vi começou a se formar uma poça gigante, o Mané ficou louco.. Pra você ver como desde sempre era geniosa. - , eu precisava, ele não deixou. Se defendeu ela sorridente. O assunto fluía com naturalidade entre todos eles quando a saxofonista (e filha do maestro) chegou com a bombardinista. Depois das devidas apresentações e acomodações, mais lembranças: - Você foi pra Brasília com a gente? Perguntou a mãe da menina para a saxofonista. - Quando? Em 80? - 18 de abril de 1980. Exatou o tocador de baixo-tuba. - Que exatidão! É, pra comemoração dos 20 anos de Brasília, você foi? - Claro, nossa, quantas lembranças.. Respondeu a saxofonista. - É, uma que me ficou muito nítida foi o seu pai. Eu fui sentada do lado dele no ônibus e a viagem foi longa, ? Lembro que de noite fazia muito frio e meu blusão tinha ficado no maleiro, aí eu comecei a sonhar com minha blusa, diz seu pai que eu ficava tentando agarrar alguma coisa no ar, hahaha, tanto frio que até sonhei, mas depois que seu pai reparou que era frio ele tirou a blusa dele e me aconchegou, aí eu dormi o resto do caminho. "Com o que extavax a sonhares, mênina? Tentavax agarar all-guma coisa no arr". Imitou desajeitada um sotaque português e riu-se depois. Eu amo muito seu pai, ele é meu mestre e maestro. Continuaram a falar mas um aperto no coração da menina a fez parar de ouvir. Abriu seu celular e escreveu: "Estou com um bando de músicos - amigos da minha mama - e lembranças, acabaram de contar uma história de agasalhos e me veio até lágrimas nos olhos lembrando de você.." O resto do conteúdo da mensagem não nos importa agora, mas era verdade, aquelas conversas quase a fizeram chorar. Esse amigo da mensagem era um enigma pra ela, um enigma sim, ela o amava muito, muitíssimo e por amá-lo tanto queria estar por perto, mas era sempre complicado demais, desgastante demais e isso a machucava, nunca duvidou da reciprocidade do sentimento, porém, não entendia muito bem tanta distância e às vezes considerava ignorar pra sempre aquela amizade. Mas era de verdade e portanto, impossível de esquecer. De qualquer forma, a questão foi o cobrir em um ônibus frio de noite enquanto ela dormia, ele fizera isso um dia, coisa que a enterneceu tanto, mas tanto que um dia contaria aos seus futuros sobrinhos, voltou a musicalidade. Falaram agora de uma surpresa que certa vez fizeram pro Mané: - Nós ensaiamos "Solfejando" (era uma das composições do Mané, uma espécie de hino) durante um mês, sem que ele soubesse, claro e quando fomos tocar debaixo da janela dele.. A Isabel diz que quando ele ouviu, quando reconheceu a música dele começou a se trocar emocionado e falando "São meus meninos, são meus meninos". - Meninos, pra ele sempre seremos seus meninos.. - Claro. E da sacada ele nos regeu e nós ficamos repetindo até ele descer, se ele não enfartou aquele dia, nunca mais enfarta. A menina se emocionou com a emoção que o trombonista, que era também seu tio, contou a história e gravou pra sempre na sua memória quando, no meio da despedida, ele também, disse: - Nós nunca mais vamos nos separar. Em coro todos concordaram: - Nunca mais. Ela não pôde dizer nada, já que era uma convidada, mas desejou muito nunca mais se separar, nunca mais. Eles eram gênios, da música e da vida.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Como é ser..

um docinho mais doce que um dia cálido de outono, com vento nos cabelos, olhar apaixonado e crepe de nutella?

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Hobbits.

- Gente, por que em todo lugar que nós vamos nós somos os hobbits? - ? Até a Bia que tem 13 anos é uns 15cm mais alta que eu. - Isso é a alimentação. - Anh? - É, eles comem muitos hormônios em tudo, conservantes, nas carnes.. - Ah.. Mas.. se fosse assim eu seria alta. - Não, você seria menos baixa, já viu o tamanho das suas avós? - Ai.. O Mi, que tinha parado de escutar na parte da alimentação pra olhar pro teto de repente vira e fala pra irmã: - Quais são os alimentos lá, que fazem crescer? - Ah, essas coisas industrializadas, o frango tem muito hormônio.. - Frango? Vamos no Carrefour e avisa a mãe que mês que vem é só frango.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

500 metros pela vida.

João Manuel Fonseca, 52 anos. Casado há 32, dois filhos já criados, uma mulher que ainda conservava algum charme e muito carinho, tudo pra agradá-lo, nunca brigavam, quase nunca. Só talvez quando ele ficava bebendo sua cachacinha até um pouco mais tarde e ela tinha que ir buscá-lo no bar da esquina, preocupada. Acontece que esse negócio da mulher ir buscá-lo no bar o desmoralizava perante seus companheiros de sinuca e cigarro, mas nada que uns bons tapas chegando em casa não resolvessem. Era segunda-feira. Manuel - que costumava ignorar seu primeiro nome - já começava a semana cansado, tinha dado um churrasco em casa no dia anterior e ele já não era mais tão jovem, as brincadeiras, gritarias no truco, o vai e vem pra fazer todos se sentirem satisfeitos com a carne - já que ele que cuidava da churrasqueira improvisada - o fatigaram um bocado. Morava de um lado da Anchieta e trabalhava do outro, todos os dias saia de sua casa 20 minutos antes de começar o expediente, andava 50 metros até chegar na Anchieta, mais 500 até a passarela, atravessava-a e andava mais 40 metros até chegar na firma. Acordou sem despertador 30 minutos mais cedo do que de costume, beijou a testa de sua mulher ainda adormecida - que levantaria dali 10 minutos para preparar-lhe o café - não costumava ter desses gestos e não fora automático, ele só viu aquele rosto envelhecido que outrora tinha sido bonito o bastante pra que ele quisesse com ela se casar e se sentiu tão enternecido que teve que beijá-la. Foi até o banheiro lavar o rosto, urinar e escovar os dentes, quando terminou a mulher já havia levantado, ele então abraçou-a - coisa que muito a surpreendeu e disse com carinho que fumaria um cigarro enquanto ela fazia o café. Enquanto fumava pensou em seus filhos, o mais velho já se casara, tinha uma boa mulher e em breve, com certeza, lhe daria um belo neto. O mais novo passara em uma faculdade no interior, o que custou muitas lágrimas a sua mulher, mas estava se dando bem agora, o moleque, aprendendo a se virar sozinho.. Pensar aquelas coisas suscitou nele uma saudade, uma nostalgia que ele nunca experimentara antes, um nó na garganta o surpreendeu, segurou o sentimentalismo e foi desjejuar. Elogiou as torradas e o café da mulher - coisa que não fazia nunca-, escovou de novo os dentes e antes de abrir o portão pra partir beijou sua mulher como se ainda estivesse apaixonado, então se foi com sua sacolinha na mão.. Em 50 metros chegou na Anchieta, nunca fora muito bom de física, mas pelos seus cálculos hoje não teria que ir até a passarela e isso já era uma grande coisa, aquela subida íngreme sempre o deixava exausto logo de manhã. Correu ao mesmo tempo que Maurício, um futuro pai desesperado levando sua mulher pra maternidade, acelerou com um grito de Julia, sua mulher, que acabara de ter mais uma contração. Freada brusca, choque, queda, sangue.. Manuel morreu na hora. No acidente mais dois carros se envolveram, Julia desmaiou, mas ainda assim deu tudo certo no parto, tiveram uma menina, que coincidentemente batizaram de Maria Eduarda, mesmo nome carregava a viúva de Manuel, que no ato do acidente sentiu um aperto no coração, correu pra rua e viu tudo, como que em câmera lenta.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Há coisa mais triste que ficar feliz em seguida?

Tem coisa mais triste do que restaurar enfeites de natal feitos de madeira muito mais velhos que você pensando em ti? É claro que onde quer que eu olhe algo me faz lembrar e eu sei que pode te soar absurdo já que você não chegou a vir em casa, mas nós falávamos sobre tudo, inclusive sobre esse lugar, então.. E outro dia, lendo um texto seu, citas-te dois dos meus escritores favoritos, já lhe disse. Mas não sei se contei que acabo de completar minha coleção com todos os contos publicados do Hemingway.. Ou seja, sempre há um Hemingway a vista, sempre uma lembrança sua.. Aliás, sabe qual foi a primeira coisa que pensei saindo da Saraiva? "Se ele fosse ao menos meu amigo de novo, eu emprestaria pra ele". Não comprei na Cultura, lá estava mais caro e, de qualquer forma, desde que nossos vínculos foram definitivamente cortados eu evito qualquer coisa que possa me lembrar você quando estou por lá. Embora só o lugar seja suficiente pra me dar nó na garganta, lembrar conscientemente seria suficiente pra me fazer cair aos prantos e lágrimas não costumam me ajudar a ler melhor, então evito lembrar do seu sorriso tímido e catarinense, naquele puf azul, evito lembrar da sua camiseta do Strokes, o terninho que você usava e o primeiro abraço que me deu. Eu não ia confessar mas, já que estou aqui, a última vez que fui no Noitão do HSBC - sozinha, como de costume - chorei convulsivamente pensando na sua ausência e no quanto eu fui imbecil. Como eu pude, meu Deus, como eu pude? Se ao menos você tivesse sido um pouco mais claro.. se ao menos eu não sentisse tanto ciúme o tempo inteiro.. se ao menos eu conseguisse te dizer.. se ao menos essa maldita geografia não nos fosse tão ingrata.. se ao menos eu soubesse que a última vez que eu te veria você evitou-me não por rejeição, mas por medo da dor da partida, tudo teria sido absolutamente diferente. E agora eu não posso mais frequentar meus lugares preferidos sem me pegar falando com você ou choramingando "por que assim?", antes nós tivéssemos nos encontrados no Cambuci ou qualquer outro lugar que o valha. Eu sento na frente do Safra, naquele mesmo lugar, exatamente o mesmo lugar que você ficou bravo comigo pela primeira vez e fico olhando pra cada pessoa que passa e às vezes imagino que você vem ao meu encontro.. Você sai do metrô Consolação e vem andando com um sorriso, aquele seu sorriso.. é lindo, eu nunca te disse, mas acho a coisa mais linda.. Eu devo mesmo estar enlouquecendo, porque desde Av. Dropsie com você e sua tia não consigo mais entrar na FIESP e aquele lugar costumava ser minha casa. Eu não só perdi você, perdi o gosto por metade das coisas que mais amava. Voltar pra casa sempre teve um gosto amargo, mas quando eu volto necessariamente sinto um vazio horrível porque não é você que está do meu lado fazendo a incrível gentileza de me acompanhar até o Jabaquara.. Nem o André - que é um gentleman em carrara esculpido - nunca me cortejou de maneira tão gentil, me senti incrivelmente protegida e querida e nem assim consegui falar nada além de "Realmente, muito obrigada". E ainda há quem diga que sou boa com palavras.. Outro dia li o texto mais simplório e triste do mundo, do meu diretor. Ele dizia que não gostava mais de sair de casa porque São Paulo inteira lembrava-o da ex.. Então, de repente, uma pessoa que eu já não contava com, apareceu e me fez deferências, eu parei com esse texto, passei a rir e minhas lágrimas secaram. Eu esqueci porquê o escrevia..

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Bosta.

- Eu fui no sítio da minha amiga e o irmão dela pegou bosta de vaca e jogou nela, AAAAAAHAHAHAHAHA - Hmm.. - Você não acha engraçado? AAAAAAHAHAHAHAHAHAHAHA - Hmm.. não. - COMO NÃO? É BOSTA! BOSTA DE VACA, aaaaaaaaahahahaha Nessa altura os risos ecoavam por toda a cidade e Juliana estava já roxa. Carla olhava com indiferença. - Você não acha graça? Não mesmo? - Não. - Me dá sua mão. - Não quero. - O que você tem? - Não há como voltar atrás. - Você está chorando? Carla levantou, colocou seu casaco e foi embora. Não disse nada.. Além do que fizera, do que sua consciência seria obrigada a suportar a partir desse dia, era desumano que continuasse ao seu lado no momento final. Já na calçada ouvia o sorriso escandalosamente nervoso de Juliana, que sabia que aquela era sua última gargalhada..

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Fósforos.

Sempre me foram um mistério fascinante. Ele vêem, flamejam 10 seg. no máximo e se vão. A duração deles é às vezes menor que um suspiro prolongado. E no entanto eu nunca deixei de pensar neles e tê-los por perto. As chamas, as chamas sempre me fascinaram. Eu tinha uma coleção de revistas infantis e certa vez li que existiam chamas de todas as cores. Nunca esqueci ou superei. Contei pro meu irmão outro dia e ele disse que então viraria cientista e me daria todas as cores de chamas. Vivo mais feliz e ansiosa desde então.. Fósforos, sempre pensei que eles podiam ser coloridos, assim, quem não tivesse a minha sorte, poderia ter todas as cores de chamas que quisesse: - Uma caixa de fósforos, por favor. - Pois não. Qual levará? - Hmm.. hoje quero dos liláses e verdes. - 3 reais, senhor. - Aqui está. Muito obrigada! - Obrigada eu, adeus. Você já repararam que o fogo queima mais se você colocar o dedo bem em cima da chama? Queima mais do que se você encostar o dedo nela. Já fizeram esse teste? Queimaduras sempre me deram muito medo, mas meu fascínio pelo fogo sempre foi maior, por isso eu sou cheia de cicatrizes amarelas. Tudo bem pra mim, de verdade.. Mas imagina se elas fossem uma de cada cor? Ah, quanta magia a mais minha vida teria.. E sem medo, porque se de amarelo estou cheia, todas as outras desejaria.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Monólogo de (mais) um frustrado.

Flouxetina com Café? Sim, me agrada muito. Aliás, eu já comentei que minha mãe é propagandista? Sim, isso significa que temos muitos remédios empilhados na nossa garagem, montanhas deles, nossas gavetas também estão abarrotadas, paraíso dos pretensos suicidas que gostam de se matar aos poucos, até serem descobertos e verem - digo, não verem - todas as suas preciosas drogas escondidas, escondidíssimas, quanta crueldade! Me restou o café, que é um direito que ninguém me tira, matem-me, mas não levem meu veneno negro. Tem um buraco enorme e crescente no meu estômago, guardo-o e zelo por ele como faria com uma pelúcia querida, porque, sim, tenho muitas pelúcias queridas. Talvez seja outro vício, esse das pelúcias. É que eu finjo que elas são pessoas que posso manipular, como deveria ser mesmo no mundo, então faço-as passar pelas situações mais esdrúxulas e humilhantes que encontro. Mas não me considero um sádico, não. Sou só a porra do Deus das pelúcias. Não é isso que dizem que o todo poderoso faz com o pessoal daqui de baixo? Pois então, ele gosta de rir, eu também. E já que eu estou falando de mim, conto um costume que tenho: passar batom vermelho. Não é uma questão de ser viado, porra! Eu gosto de mulher - embora gostar não signifique ter. Mas gosto também de batom vermelho e vodka, não é uma coisa que se explique ou classifique alguém, eu falo pra quem quiser, foda-se! Fora isso eu gosto de ler contos pornográficos e Bukowski, mas só fico excitado com o segundo, contos pornográficos são só uma maneira de me sentir menos inferior, já que os porras que escrevem aquelas merdas devem ser bem mais fodidos que eu, ou não.. mas eu gosto de pensar que sim. Eu tenho 32 e moro com a minha mãe. Quando tiver 72, se ela estiver viva ainda, continuarei morando. As pessoas ficam independentes e ao invés de ouvirem encheção de saco da mãe ouvem do vizinho de baixo, da mulher, da porra do papagaio que comprou pra se sentir menos solitário e inválido, pra tudo isso, prefiro que alguém continue lavando minhas cuecas e cozinhando pra mim. Eu sei que uma mulher poderia ter a mesma função, mas eu nunca tive sorte com elas e no mais minha mãe não me enche o saco se eu não faço a barba e nem quer ter filhos comigo. Eu não entendo essa vontade que as pessoas tem de ter uma droga de um mini-você pendurado, gastando teu dinheiro, teu tempo, fazendo você limpar merda e virando mais um cretino pro mundo depois que cresce, não me entra na cabeça essa história de filho. Mas, dane-se, ? Eu resumo o prejuízo pro mundo com a minha existência, meus rolos e rolos de papel higiênico sujo, minha ingestão diária de tudo que eu conseguir arranjar, minha respiração gorda e afogada, minha emissão de gases.. E ainda faço favor de não sair muito de casa, porque tem limite pra aguentar repulsa e eu extrapolei o humano faz tempo.

Alzira e a vitrola.

Alzira nasceu em uma família aparentemente comum. Regina, sua mãe, era professora de uma escola pública, revolucionária quando jovem, quase fora exilada na ditadura, mas graças a uma incrível sorte e ótimos esconderijos, saiu ilesa. Essa mulher, cheia de sonhos e força, largou qualquer idealismo pelo sonho burguês, casou, teve uma filha, tinham um caro e apartamento próprios, era completamente comum. Não aceitava as coisas como eram mas não fazia - e muito menos falava - nada, era como se a Regina política tivesse morrido assim que passou a ser Regina noiva. Ainda era a mesma e vivia como seus pais, mas não queria que sua filha tivesse o mesmo fim, por isso, todo o tempo que podiam passar juntas, ela a instruía, sem querer mostrar sua insatisfação com suas escolhas, mas deixando claro que a vida era muito maior. E das maiores coisas que a vida tinha pra oferecer, a música era a maior delas. Educou musicalmente Alzira desde muito cedo, de Tchaikovsky aos mestres da Bossa Nova, Janis Joplin a Frank Sinatra, mil vertentes, muita qualidade. Músico de bar noturno, muito boêmio, conquistador.. Regina era admiradora da voz calma e dedos ligeiros daquele rapaz que parecia tão discreto a primeira vista. Conquistador.. Regina achava-o tão reservado, calado. E acima de tudo: um músico brilhante. Ele de fato o era, suas composições lembravam-a Bosco e sua intimidade com o violão era só dele. Pena que ele parecia tão distante. Não, não era. Regina é que sempre acabava indo embora cedo, até um dia que não foi. Ficou, só mais um pouquinho, "vai que a Claudia aparece daqui a pouco..", ela contava com essa possibilidade, queria dar um abraço na amiga que estava sempre por lá e fazia anos naquela data, então ficou. E por esperar a Claudia, acabou por conhecer o que tinha tomado só uma garrafa de cerveja quando foi avisado que ela estava ainda por lá. - Viu quem está aí? - Quem? - Sua bela.. - Ela ficou dessa vez? - Parece que sim.. - E a vida se mostra boa de novo. Estou bem? - Como poderia? - Ah, vai à merda! Porra, cara, já volto. - Volta? - É, espero que não. E não voltou mesmo. Roberto olhava e pensava naquela garota sorridente e misteriosa a cada música que tocava, que compunha, que cantava, alimentava a platônica paixão desde a primeira vez que reparou naqueles olhos amarelos, que nunca ficavam tempo suficiente. Por isso esse momento era grande pra ele, que estava tímido e simpático quando a abordou. Ela, que tinha esquecido o rapaz das ótimas músicas na sua espera e se sentiu como que se tivesse contado um degrau a mais quando ele veio sorrindo em sua direção. - SEU FILHO DA PUTA VOCÊ SABE QUE HORAS SÃO? - Cala a boca, me deixa dormir.. - VOCÊ É UM VAGABUNDO MESMO, SEU CRETINO, SEU NOJENTO! - Vai se foder, Regina, me deixa em paz. - ME FODER? VOCÊ QUE ESTÁ SEMPRE POR AÍ FODENDO, AQUELE BANDO DE VADIAS QUE VOCÊ... - QUE BANDO DE VADIAS? - AS QUE VOCÊ ESTAVA COMENDO ATÉ ESSA HORA! - NÃO ESTAVA COMENDO NINGUÉM. Alzira escutava do quarto, aflita, tinha cinco anos na ocasião e se escondia debaixo da cama. Enquanto a gritaria continuava ela roía a pouca unha que lhe restava, até começar a ouvir os choros e tapas, então não se aguentava e ia até a sala, chorava e se ajoelhava no chão, sabia o que viria a seguir, sabia que apanharia também, mas, se dividisse a surra a mãe no outro dia ao menos conseguiria andar, mas de qualquer forma sempre se sentia culpada por não interceder antes, se reprimia e castigava por ter sido tola o suficiente pra ter esperanças da pancadaria nunca começar. Ela já tinha cinco anos, como poderia ser assim ingênua ainda? -VOCÊ SABE QUE HORAS SÃO, PORRA? - EU ESTAVA TRABALHANDO E JÁ TE FALEI QUE NÃO É PRA ME ESPERAR. - TRABALHANDO O CARALHO, VOCÊ PENSA QUE EU SOU IDIOTA? Alzira, agora com 15 mal formados anos, não intercedia mais, estava cansada de se sacrificar por uma pessoa que parecia gostar da vida de surras e traições que levava. Por mais que amasse a mãe, tinha desistido, já conversara demais, já pedira demais, não estava mais ao seu alcance. A mãe se defendia dizendo que no fundo eles se amavam e que ela que devia parar de ser tão agressiva todos os dias. Esse discurso, quando proferido da primeira vez a enojou ao ponto de ter mesmo que vomitar, agora nem ele a fazia menos indiferente. Indiferente, mas sempre a roer unhas. - SUA CADELA IMUNDA VOCÊ ME XINGA TANTO MAS APOSTO QUE QUEM FICA DANDO POR AÍ QUANDO EU ESTOU TRA-BA-LHAN-DO É VOCÊ! - Agora você passou dos limites, sai daqui, VAI EMBORA, SAI DESSA CASA AGORA! Abriu a porta: - Se você encostar a mão nela eu chamo a polícia. Disse com tranqüilidade, com seus olhos - também amarelos - sempre fatigados, uma tranqüilidade absolutamente decidida: - Vamos, faz de novo, encosta nela! - VOCÊ PENSA QUE VOCÊ É QUEM PRA FALAR ASSIM COMIGO SUA CADELINHA MIRIM? - Bate em mim, vamos! Ele, que havia avançado, recuou: - Está com medo? É bom que esteja! Porque no que depender de vim VOCÊ VAI SE FODER MUITO SEU CRETINO e faz logo o que ela está falando, pega sua mala e vai embora, senão eu mesma taco todas essas porras pela janela. - VOCÊ.. VOCÊ.. VOCÊ NÃO TEM O DIREITO DE FALAR ASSIM COM O SEU PAI! - Pai o caralho, você sempre foi só a porra de um bêbado que encheu o saco de todo mundo, por mim você estava morto faz tempo. Duas lágrimas escorregam pelo rosto de Roberto, tão sensível como artista, tão cretino como pessoa. Regina soluçava no sofá com a cabeça entre as mãos. Ele não encontrou nenhuma palavra pra contestar a realidade e a dimensão que as coisas tinham tomado, só conseguiu abaixar a cabeça e dizer: - Eu não vou ter dinheiro pra pensão. - Ninguém vai precisar de esmola sua por aqui, pode ir agora. E deixa a chave com o porteiro. Ele não conseguiu responder nada, foi até o quarto fazer as malas. Enquanto isso Alzira se trancou no quarto com a mãe e colocou na antiga vitrola a valsa Kiss Waltz de Strauss, que era a preferida das duas, porque remetia a contos de fadas e o que se espera tocar quando se acaba o livro da vida, comentou: - Eu li esses dias que nosso corpo é composto por 70% de água e há pesquisas que dizem que dependendo do que ouvimos a água do nosso corpo pode ser saudável ou não, bonita ou feia, na Europa, essa música é receitada por médicos pra quem está com esgotamento nervoso, então calma, respira, escuta bem, que vai passar. E nossas águas vão parecer diamantes. Escutaram abraçadas, alto o suficiente pra não ouvir a porta se fechando e levando embora pra sempre o motivo das duas terem, por tanto tempo, águas parecidas com tumores.

Maria e João.

Nem só de graça vive o palhaço. Nem só da emoção vive o artista. Nem só de cuidar vive a mãe. Nem só do carinho vive o filho. Nem só de amor vive o poeta. Nem só de poesia vive Chico Buarque. Nem só de letras vivemos os escritores. Nem só de alma vive a verdade. Nem só de corpo a vaidade. Nem só de promessas vivem os amantes. Ou de risos alegres os amigos infantes. Nem só do sangue vive o vampiro. A lua nem sempre vive do brilho. Nem sempre a atriz é mentirosa. Ou a rosa, necessariamente, vaidosa. Nem só de cor existe o traço. Ser protegida no seu abraço, nem sempre é o que posso querer. Se o universo não só de ciência é, por que eu viveria pra ser sua mulher?

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Katrina e a Fotonovela.

Admiro muito como escritora e amiga, eis que um dia ela propõe: - Quer protagonizar minha Fotonovela? - Claro! E cá estamos nós, no endereço mais irônico de todos os tempos: http://lixaodetextos.blogspot.com/2009/12/despindo-o-drama.html Espero que acompanhem e gostem de nossa Aurora, com seus saltos altos e auto-estima baixa. Fica a indicação e a alegria de participar do projeto registrados por aqui :)