quinta-feira, 1 de maio de 2025

Marketing digital e o fim do ser.

Quem sou eu?

O que que eu sou?

Quando eu tinha 18 anos comecei a fazer uns vídeos pra internet, aí descobri que podia ser profissão, estava triste com as perspectivas do teatro, resolvi tentar.

Fiquei tentando pelos últimos 15 anos.

Tentei, tentei, tentei...

Mas não existe ser bem sucedido num mundo tecnofascista, a qualquer instante o trabalho que você passou anos construindo pode simplesmente desaparecer.

Não adianta a justiça estar do seu lado. Eles sempre vencem.

E tem sempre essa dica ou essa artimanha pra fazer seu vídeo ter mais visualizações, você tem que encontrar um nicho, você tem que usar ganchos virais e você tem que isso e aquilo e seguir sei lá quem e fazer o tal hack. E nada disso é criativo, são formulas. É como se você tivesse virado alguém que faz vídeos porque você amava fazer vídeos, se comunicar e descobrir pessoas que te entendiam, mesmo quando discordavam e de repente você tá tentando resolver uma fria equação matemática.

De repente seu trabalho se torna aprender como ludibriar o cérebro cansado de alguém que já viu outros 150 vídeos hoje a se interessar pelo seu vídeo. E ver inteiro. E salvar. E mandar pro amigo.

Exaustivo. Corporativo. Chato e patético.

Não me candidatei pra isso.

Eu queria era criar, falar e poder ter meus 180 interesses diferentes expostos.

Eu não quero escolher um nicho, um formato ou fazer sentido. Eu quero comunicar.

Eu trabalho com arte, não com mídias sociais, meu trabalho é criar conexões, não vender um produto.

Eu não sou um produto. Sou um humano, uma vida cheia de multitudes e complexidades.

Um ser multifacetado.

Pra poder não ter que me sustentar atrevés de criar uma brand pessoal comecei a trabalhar com a coisa que o público mais me pediu ao longo da minha vida: exposição da minha beleza.

E eu não preciso fazer muito pra ser bem sucedida nisso, até pessoas que não fazem ideia que eu trabalho com isso me fazem propostas e esse trabalho maravilhoso me deu a oportunidade de parar de tentar.

Perdi um monte de gente no processo, mas me encontrei.

E graças a esse emprego lindo e que eu amo, eu não vou mais tentar. 

Não vou mais pedir pra curtir. 

Usar gancho, usar palavras chaves ou qualquer ferramenta de marketing digital.

Eu não quero, eu não gosto e não me faz bem.

Meus vídeos eu faço porque eu amo, porque é mágico poder fazer amizade com alguém que mora do outro lado do mundo, porque eu quero mostrar minha arte e dividir meus insights.

Eu não sou e nem quero ser influencer, eu sou pessoa.

Humana em busca de conexão, de amizades e de novas ideias.

De entender e ser entendida, de expressar.

Pra mim chega, chega de tentar.

Já consegui.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Kit de Mágica do Xaropinho

Um dia meu pai e meu irmão chegaram na minha casa com um kit de mágica do Xaropinho.

Sem contexto.

- Mas o que que é isso?

- É um kit de mágica do Xaropinho, com o Lipan. Não conhece o Lipan?

- Não.

- Ô loco, filha ele tá sempre no Chavão, é mágico, já foi no record, no sbt...

- Ahh...

- Mas aonde vocês conseguiram isso?

- É um kit de mágica, com mágica.

Meu pai era uma das pessoas mais engraçadas que eu já conheci. 

Completamente aleatório.

Ele também era das mais prestativas, qualquer ajuda que você precisasse era só falar com o Tocão.

Meu pai amava morar na praia, morou lá por um tempo, mas eventualmente uma tia minha que ele amava muito foi diagnosticada com câncer no cérebro. Essa tia era irmã da minha mãe.

Pois ele mudou de volta pra cá pra poder fazer parte da rotação que ficava fazendo companhia pra ela no hospital.

Meu pai era muito doce.

Ele amava ajudar de todas as formas possíveis e amava demonstrar o amor dele através de ensinar.

E cozinhar, fazer piada, deixar o clima agradável.

Hoje eu estava lembrando da pior coisa que ele já falou pra mim em toda minha vida, foi numa época muito difícil em que ele estava muito deprimido, com ideações suicidas, tinha acabado de vender a parte dele do comércio que ele amava mais que tudo, estava em casa cuidando da gente enquanto minha mãe trabalhava e ele trabalhou fora a vida inteira, desde os 12 anos, então ele estava sofrendo muito mesmo.

E eu estava dando esse sermão nele, que ele não podia fazer isso e aquilo e bem brava.

E ele me falou a pior ofensa que ele já me fez na vida.

Ele disse "você só gosta de mim quando eu tenho dinheiro".

Foi tão chocante ouvir meu pai falar qualquer coisa que não fosse amorosa pra mim que eu lembro até hoje. E ele não falou nada sobre o meu caráter, não me xingou ou diminuiu de nenhuma forma.

Ele simplesmente declarou que agora que ele não trabalhava mais fora ele sentia que eu gostava menos dele.

Eu tinha 15 anos.

Até os meus 33, que foi quando ele morreu, não falou mais nada que não fosse de origem preocupada ou amorosa.

Meu pai amava os filhos dele mais do que tudo, eu e meu irmão.

Hoje eu acordei com uma mensagem do meu vô:

"Nós iremos amanhã para Boracéia levar as cinzas do Adriano".

Faz 22 dias que o meu pai morreu.

22 dias tentando me acostumar com essa terrível e cruel realidade.

Mas ler essa mensagem me fez sentir como se meu peito fosse de vidro e alguém tivesse acabado de dar uma marretada cheia de ódio nele.

Não foi a mensagem do meu vô, foi a lembrança de que, não importa em que grau de negação eu esteja, meu pai não existe mais.

Ele realmente nunca mais vai me dar um sorriso, fazer uma piada, falar que de macaco ele só gosta do George, nunca mais vai assistir Cobra Kai comigo, nem fazer comida pra mim, nem elogiar minhas comidas, nem elogiar minhas pinturas, nem agradecer todo bonitinho quando eu der um presente pra ele, nunca mais vai ligar as luzinhas que eu dei pra ele, nunca mais vai se arrumar todo bonito pra ir no centro, ou vai no estádio comigo, ou vai me contar histórias da juventude dele, da infância, nunca mais vai lembrar com precisão de datas e horários que aconteceram há mais de 30 anos, nunca mais vai escrever nada com aquela letra linda que ele tinha, não vai buscar a medalha de 1 ano e meio que ele tinha conseguido, nem a de 2 anos, 3, 4, 10, 20...

Não tenho mais meu pai.

A pessoa que mais me entendia e que menos me julgou na minha vida.

Era tão fácil ser amiga dele, estar na presença dele.

Tudo que ele me fez sofrer nessa vida foi só pela ausência.

Meu doce pai.

Ninguém tem direito a um bom pai, todos nós só temos direito a um pai.

Mas o meu pai era não só um bom pai, ele era um ótimo pai, amoroso, amigo, interessado.

Eu estou tão confusa com a ausência permanente dele na minha vida.

Como pode isso? Como pode uma coisa dessas? Como pode a pessoa simplesmente desaparecer?

Primeiro meu passarinho, depois minha cachorra, depois meu pai.

É como se não tivesse sobrado muita coisa.

Como se morrer fosse uma questão de ir perdendo quem a gente ama.

E ele já tinha perdido tanta gente.

Pai, onde quer que você esteja espero que você esteja em algum lugar, porque eu vou sentir sua falta até te encontrar de novo.


quinta-feira, 10 de abril de 2025

Meu pai. Ou Adriano "Tocão" Costa.

 Meu pai é o tipo de pessoa que você ia adorar conhecer.

Porque meu pai é carismático, engraçado, palhaço, ele reflete muito sobre a vida, ele escuta de maneira atenta e ele tá sempre pronto pra ajudar.

Meu pai é um espírito livre, que me ensinou a ser um espírito livre.

Ele me ensinou que não existe sempre uma resposta certa para as coisas, que tudo tem muito mais nuance do que a gente consegue imaginar.

Meu pai.

Ninguém tem direito a um bom pai, a gente só tem direito a um pai.

Mas Deus me ama tanto que ele me deu um bom pai, um ótimo pai, um pai amigo. Melhor amigo.

Um pai que ouve, um pai que nunca usou o fato dele ser meu pai como justificativa pra saber melhor, muito embora muitas vezes ele soubesse, meu pai achava extremamente importante dividir as coisas comigo e pedir minha opinião. E ele considerava minha opinião, sempre.

Meu pai respeitava muito a minha inteligência.

Meu pai era um homem brilhante. A rapidez que ele tinha pra solucionar problemas era uma coisa linda de se ver.

E a linguagem do amor dele era atos de serviço. Ele tava sempre querendo ajudar a gente. Prestando atenção em tudo que a gente gosta.

Eu nunca vou esquecer do dia que meu pai me deu minha primeira câmera fotográfica, ou quando ele me deu meu primeiro computador, ou quando ele me deu um vídeo game porque eu fiz uma cirurgia que, pela primeira vez na minha vida, ia me impedir de aproveitar o verão com ele, na praia.

Então ele deu um jeito de me fazer aproveitar o verão de qualquer jeito, sem praia, mas com jogos e companhia e brincadeiras.

A gente fazia tudo junto. O único momento que eu, meu pai e minha mãe não estávamos juntos era quando eu tava na escola. E eles me levavam e me buscavam e me zoavam.

"Nonco, minha Nonozinho, Nooonco, a gente te ama".

E eu nunca por um segundo na minha vida consegui entender como que um adolescente podia ter vergonha dos seus pais. Vergonha de ser amado? De ter melhores amigos?

Eu amava quando eles brincavam comigo na porta da escola.

Meu pai...

Meu pai sempre quis ter uma filha menina.

Por parte de pai, inclusive, eu era a única menina.

Eu fui a única menina a vida inteira dele.

Éramos o Rafa, eu, o Gu e depois meu irmão.

Ele e o tio Leandro.

E só eu lá, de menina. Toda atenção e carinho do mundo.

Extremamente mimada.

Uma das coisas que eu mais fiz na minha infância foi ser mimada, ficar da beira da psicina com meu vô, minha vó, meu pai e minha mãe comendo pringles, amendoim e salaminho com limão. Com palitinho, claro, pra o limão não manchar nossa pele.

Quantas tardes preguiçosas a gente passou só aproveitando a natureza, a família, a comida, a brisa do ar, o frescor da água...

E quantas aventuras meu pai me levou pra viver.

Vamos procurar cachoeiras, vamos conhecer uma praia que quando eu era pequeno eu acampava com o vô, vamos naquele restaurante na beira do mar, vamos pegar a balsa pra Ilha Bela.

E as histórias, milhares de histórias, ele me contava tudo, o bom, o ruim, o médio e o desastroso.

E eu amava ouvir as histórias dele, histórias essas que ele sempre contava rindo.

E ele tinha uma amor pela vida, uma paixão por aproveitar e viver... quantas vezes ele não me levou no estádio ver o Tricolor jogar, nós vimos ele ganhando a libertadores em casa.

E quantos estádios a gente conheceu junto, passávamos horas assistindo jogos e programas de esporte. Como eu amava passar tempo com o meu pai.

Nunca vou esquecer uma vez que ele nos levou na playland e gastou um dinheiro absurdo só pra eu ir em todos os brinquedos que eu quisesse, quantas vezes eu quisesse e depois ainda almoçamos no All Parmegiana.

Parmegiana, panquecas, queijadinha, lasanha, pizza, hamburguer, noite do pão de queijo, lanche para quem gosta de lanches... como não lembrar do meu pai? Meu pai passou tantas, mas tantas horas da vida dele cozinhando pras pessoas que ele amava. E ele cozinhava divinamente.

E era extremamente generoso com seu conhecimento culinário, desde criança, às vezes o Biel tava assistindo desenho, eu no messenger com meus amiguinhos, pois ele fazia a gente ir pro cozinha pra entender como ele fazia o molho, como ele refogava tal coisa, que jeito que a gente tinha que fazer pra ficar cremoso sem queimar, meu pai era um cozinheiro brilhante. E graças a ele eu e meu irmão somos também. Graças a ele ser vegana é extremamente fácil pra mim, porque desde pequena ele me ensinou tudo e com muito amor, com muita atenção e carinho.

Tudo que meu pai mais amava era passar tempo com a gente.

Ele amava, a gente podia estar em silêncio sentado não fazendo nada que ele gostava de estar do nosso lado. Meu doce pai.

Meu pai nunca foi ciumento, controlador, nunca usou seu título de pai pra me intimidar ou me fazer sentir pequena, meu pai sempre foi meu amigo, meu parceiro, alguém que eu sempre pude contar com.

Não tem nem como contar tudo que ele fez por mim, a televisão, geladeira, o estúdio de fotografia, as câmeras, home theater, ele amava deixar tudo o mais confortável possível pra gente, confortável e bonito.

Ele fez um rack pra nossa casa, de madeira, depois pintou de azul e amarelinho e ficou tão lindo, meu pai tava sempre consertando alguma coisa. 

Uma vez ele foi me buscar num show, horas antes do show acabar e eu falei pra ele, pai, vai pra casa, não tem problema, depois eu me viro.

Pois ele ficou me esperando por um tempão numa noite gelada e não me deixou sair do show antes. Esse era o tipo de pai que ele foi.

Meu pai amava música, ele tava naquele show do Queen no rio de janeiro em 85, ele foi em tanto show legal, tantas viagens legais, conheceu tanto mundo. Ele amava música e a gente escutava música o tempo inteiro. Às vezes eu mostrava minhas músicas de adolescente pra ele e perguntava "Gostou?" e ele respondia "Popero", o que significava que ele tinha gostado, mas não era um rock'n'roll.

Ele amava rock'n'roll.

Graças a ele eu tive uma infância excepcional.

Meu pai não me deixava um fim de semana sem ir pra praia, a gente passava o verão inteiro por lá, chegavamos em casa todos bronzeados, eu não saia da água de jeito nenhum, fosse mar, psicina ou cachoeira.

E meu pai e minha mãe sempre foram melhores amigos, ele me ensinaram que se não fosse pra casar com alguém que te divirta o tempo todo, nem vale a pena. Nossa casa era uma casa de alegria e brincadeiras. Quanto você me ama? Chafariz. 

E meus pais se conheceram adolescentes, aprontaram muito juntos, fizeram cada uma, meus pais...

Meu pai e minha mãe mesmo depois do divórcio nunca deixaram de ser amigos, nem por um momento, inclusive a primeira vez que eles se separaram eles foram juntos morar na casa da minha vó materna.

Ontem, no velório dele, depois da família dele fazer uma oração, a família da minha mãe pediu o espaço pra fazer também. Porque ele tinha duas famílias, a dele e a da minha mãe.

Todo mundo amava o meu pai. Eu amo tanto o meu pai.

E eu nem acredito que eu tô tendo que falar dele no passado.


Pai, vó Sirlei e tio Leandro

                                           Mãe e pai



Pai


                                                                                                                                     Vó Sirlei e pai

Pai e eu


                              Eu e pai

                                                                          Pai e Biel

Renas, pai e Biel

Mãe, Pai, Biel e eu


 Eu, pai, Biel e mãe

       Viva o Tocão!          
                                               




sábado, 1 de março de 2025

Um conto de várias partes. Parte I.

 - Eu preciso de ajuda. Ele disse, enquanto se ajeitava na poltrona.

- O que aconteceu?

- Eu não aguento mais a minha esposa, eu não quero mais estar perto dela. Ela é agressiva, violenta. Não só na minha direção, das crinaças também. Tudo que eles fazem ela vai atrás deles com uma cinta. Eu sei que eles aprontam, mas eles são só crianças. O mais novo descobriu que a única maneira de se sentir menos violado é ridicularizando ela, rindo, chamando ela de louca. Só que isso só deixa ela mais e mais violenta, esses dias depois de uma surra eu fui olhar ele no quarto e ele estava ardendo em febre.

Eu não aguento mais.

- E por que não se divorcia?

- Porque não quero deixar meus filhos nas mãos dela. Mas eu não aguento mais, ela tenta competir comigo o tempo todo. Ela se formou médica e eu sou engenheiro, mas agora ela não trabalha mais, pra cuidar das crianças, mas invés disso ela só sabe descontar neles a raiva de não ter como receber validação através da profissão dela. E também tem isso, não acho que ela tenha se formado pra ajudar ninguém, ela só quer se sentir superior. Ela sempre sempre acha que tem razão. Na nossa última discussão, eu provei que ela estav errada e ela jogou um copo na minha direção. E ela nunca pede desculpas. É sempre culpa do outro. Esses dias ela ficou nervosa com um negócio que a mais velha fez e simplesmente arremessou o celular do outro lado da casa, ele se espatifou e ela teve que comprar outro. Quando veio me contar cupou a criança, mas a criança nem estava em casa quando isso aconteceu. Nosso mais novo gosta de brincar de Barbie, diz que as cores preferidas dele são roxo e rosa, ele é um menino delicado. E ela não aceita ele de jeito nenhum, faz questão de fazer comentários homofóbicos, de dizer o quanto ela odeia gays... E ela ainda tenta parecer uma pessoa culta, educada, com pensamentos ponderados. Isso na frente dos outros, mas com a gente... ela é um poço de ódio. Nada nunca é bom o suficiente. E só sabe reclamar, eu trabalho todos os dias, das 8h às 20h e quanto chego em casa é só reclamação, que eu não ajudo com a casa, que ela tem que fazer tudo sozinha, mas eu faço tudo que eu consigo, eu dou banho nas crianças, dou a janta, limpo o chão, arrumo os quartos. Eu não sei o que ela quer de mim. E você é tão equilibrada, é tão mais fácil falar com você.

Um barulho de chave virando sobressalta os dois. Aquela hora eles deveriam estar sozinhos.

- O que ela está fazendo aqui?

- Veio pagar o condomínio.

- Ah...

Ela entrou com a cara emburrada em um dos quartos e fechou a porta com violência.

- Bom, então já vou indo.

- Até mais.



quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Vazio.

 A casa vazia.

A expectativa de ver ela virando a esquina da porta.

Não tem mais o cheiro dela pela casa.

E nem ninguém tentando matar o macaco.

Não tem mais o latido grave, nem ela atrás de toda live.

Ninguém pra me defender, mas também não tem nada que eu precise ser defendida de.

Ela sabia que eu estava bem, que estava tudo bem.

E nada vai estar bem de novo.

O fucinho gelado, a patinha pedindo carinho, as palhaçadas.

Como pode, né?

Nunca mais.


quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Petúnia Bel.

 Petúnia, a cachorra mais doce que já existiu.

Eu não acredito que já tô falando dela no passado.

Hoje eu acordei com um barulho estranho, um barulho de água vindo do vizinho, levantei correndo e a Petúnia, que já tava doente, me olhou, suspirou e morreu.

Assim, definitivo. Deixou de existir.

Minha cachorra, que nunca me deixava sozinha.

Que ia comigo pra onde quer que eu fosse.

Que falava comigo sem parar, eu dublava ela, pros outros entenderem e sempre achavam que eu tava fazendo graça, mas a verdade é que eu só tava traduzindo. Ela falava comigo, o tempo todo.

Esses dias eu me arrumei pra gravar um vídeo e estava toda bonita e feliz com meu vestido novo, ela me olhou com aquela carinha docinha dela e sorriu.

A Pepe sorria. 

A Pepe sorria e brigava também, quando ela achava que alguém ou alguma coisa tava me incomodando ela fazia um latido grave de cachorrão "au au au". Deixando claro que era melhor acabar com esse comportamento ou ia ter que se ver com dona Pepe.

Ela, que nem eu, amava comer. Comia até as paredes se deixasse. 

Vivia lambendo o chão, pra ver se tinha caído alguma migalhinha de pão ou alguma comida humana gostosa. Ela tinha dor de estômago então a gente só dava ração, petiscos, osso e churru.

Mas ela amava uma comidinha humana.

Ver minha bebê recusando comida matou um pedaço de mim. Pedaço de mim.

Quantas músicas de amor não cabem exatamente no choro de perder minha melhor amiga?

E agora, que faço eu da vida sem você?

Eu perco o chão, eu não acho as palavras, eu ando tão triste, eu ando pela sala.

Ad infinitum...

Eu tô tão triste que meu cérebro fica conjurando essas imagens de mortes terríveis e violentas, um machado na minha cabeça, um tiro no meu rosto, pra tentar entender como eu posso sentir tanta dor.

Mas ele não entende não, aí entra num estado de fuga...

Até uma live eu abri pra ver se sentia algum senso de normalidade, porém todo dia quando eu começava a me arrumar ela já ficava do meu lado se preparando, depois passava a live inteira do meu lado.

Tudo, todo pedacinho da minha vida tem Petúnia.

Eu não sei viver sem ser com ela, eu não sei ser uma adulta sem contar com a presença dela.

Ela me ajudava a fazer sentido de tudo.

Passei mais de um terço da minha vida na companhia desse cão, desse neném, desse anjo.

Eu sei que todo mundo ama seu cachorro e fala que ele era o melhor cachorro do mundo, mas a Petúnia era mesmo, o mais leal, mais doce e carinhoso, mais engraçado.

Ela teve que ficar 4 dias internada no hospital veterinário e uma das vets me contou que eles disputavam pra ver quem cuidava dela, porque ela era tão boazinha, não reclamava de nada.

Tão amada.

Nossa família inteira está em pedaços. Nada nunca vai ser tão bom quanto como quando a gente tinha a companhia dela.

A vida segue, a gente se adapta, mas não de fato.

Pra sempre fica faltando algo, um rombo no coração no formato dela.

Um rombo no coração chamdo Petúnia Bel.

Minha Pepe, minha cu.



E agora?
Que faço eu da vida sem você?


Não faço.



                                                                                                                                                                                                                                              

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Gratuito (ou unhinged).

 Eu sonhei que você era meu par.

Tão amoroso, quietinho e sensível, como eu imaginava que você era.

Engraçado também.

A gente tava num show do The Used, um cara da banda vinha e me beijava e eu só conseguia pensar em você. Eu não queria beijar aquele cara, eu gostava de você.

E você é tão sensível. Como eu ia te contar isso?

Era a última coisa que eu queria fazer. O seu rosto tão nítido na minha mente.

Faz mais de 13 anos que eu não te vejo.

Eu nunca falei com você, nunca nem te dei oi. Só te olhava de longe e gostava de você.

Sempre gostei de você. É engraçado que eu não lembro de nenhum amigo seu, ninguém em comum que a gente conhecesse, eu só lembro que eu te via nos lugares que eu ia e eu gostava de você.

Gratuitamente. 

A gente nunca trocou uma palavra, mas tenho seu rosto mais nítido na minha memória do que da maioria dos amigos que já tive. Acho que porque eu sempre senti que nós seríamos bons amigos.

Esse tipo de sentimento me faz ter certeza absoluta que parte de mim é completamente inadequada, pra não ser um pouco mais rude e direta.

Imagina que esquisito e inquietante saber que alguém que você não conhece sempre quis ser mais próximo? O estranho é que eu não acho tão estranho assim.

Primeiro a gente frequentou os mesmos lugares, depois a gente fez cursinho juntos. Nessa época eu estava mudando, pela primeira vez na vida não queria ter vários amigos e entendi que estava tudo bem não querer socializar.

Antes eu me forçava, porque tudo que eu queria era ser normal. Mas bem nessa época eu aceitei que não era.

Justo nessa época que eu podia ter inventado algum motivo pra falar com você, eu resolvi que não ia falar com ninguém. Não durou muito.

Logo que eu entrei na faculdade não consegui continuar me escondendo e quando fui ver já tinha todo esse grupo de amigos que ia comigo pra lá e pra cá e queria me ver mesmo quando a gente não tava estudando.

Mas da onde meu cérebro tirou sonhar com você mais de 13 anos depois da última vez que eu te vi?

Ele eu até entendo, fomos melhores amigos de infância, mas você eu juro que não. Não sei nem como é sua voz. Que passa?

Eu não sei, mas tenho certeza que não é sobre você. Tenho certeza que tem a ver com essa minha mania de ter medo da felicidade, de estar mais confortável em lugares difíceis.

Nessa época eu aceitei que eu não era normal, mas eu nem sabia o que tinha de diferente em mim e eu não usava a palavra diferente, usava a palavra errado.

Eu não conseguia entender o que tinha de errado comigo.

Qual era o meu problema? Qual era o meu problema?

O mais bizarro é que eu não sei seu nome, não faço ideia. Só sei seu apelido que, pensando melhor, nem sei se sei mesmo, porque me contaram seu apelido. Ou seja, talvez nem isso eu saiba. Que sensação estranha.

Fiquei tentando lembrar seu nome com toda força, mas nem sei se tem como lembrar.

Que nostalgia esquisita. Nostalgia e raiva.

Raiva de ter sido uma adolescente tão covarde. Eu tinha mais medo de ser bem tratada do que de ser mal tratada. Se eu achasse que você seria desagradável era capaz de ter dado um jeito de falar com você. Mas era óbvio que não. Eu sei lá o que fazer com isso.

Queria saber como você está hoje em dia, o que você faz, onde você mora.

Ou será que não queria estar aqui?

Onde mesmo com meu pai doente, minha cachorra doente, eu doente, tudo está relativamente bem?

Todo dia eu acordo e tenho um propósito, não me preocupo com dinheiro, nem com crueldade, estirpei da minha vida toda pessoa que me fazia mal, posso passar meu dia inteiro do lado dos meus animais, tenho um companheiro que é meu melhor amigo, faz tudo por mim e está extremamente saudável, tenho meus livros, minhas aquarelas, meus fãs e clientes, tenho um computador novo, roupas novas, decoração nova, faço exercícios, não me alimento do sofrimento de animais, cozinho melhor do que nunca, sei onde comprar meu tofu gostoso e barato, meu jardim tá lindo e florescendo de novo, tenho que decidir se quero ir pra praia... tá tudo bem.

Meu pai tá sendo tratado, minha cachorra também, eu também. 

Não tem um frizz nesse meu cabelo. Tá tudo bem.

Eu sei lá o que fazer quando tá tudo bem, não tem nada pra odiar em mim, terapia em dia, eu sei lá como vou dar um jeito de me odiar e é aí que entra você.

Aí que entra meu ex-melhor amigo. Aí que entra o passado, que eu nunca vou conseguir mudar, entra essa menina que fazia o que dava com o pouco que tinha e tava sempre estressada e assustada e achando que fez alguma coisa errado. Colocando travesseiro na frente da barriga quando sentava.

Escrevo esse texto enquanto tento entender: o que meu cérebro queria com isso? Qual é a dele? Que que foi? Será que era essa sensação de estranhamento e nostalgia que ele queria suscitar em mim? Pra que isso?

Ou é só o bom e velho medo do outro sapato cair.

          Inferno de sapato.




sábado, 18 de janeiro de 2025

Laísa

 Laísa era uma pessoa problemática.

Tinha nascido com o cérebro diferente, em circunstâncias longe de ideais e em uma família gigantesca.

Eram 10 tios e 14 tias. Muitas opiniões.

A mãe de Laísa não tinha voz pra contestar nenhum desses milhares de irmãos, ouvia tudo em silêncio, concordava com tudo.

O pai dela mesmo que quisesse ter alguma opinião, não seria ouvido.

Quando Laísa estava crescendo ela percebeu que a melhor maneira de não ser maltratada era tentando agradar cada uma dessas pessoas. Esses tios e tias e seus milhares de filhos.

Mas como ela poderia agradar todas essas pessoas sendo que cada uma delas gostava de uma coisa diferente? Não era bem assim.

A maioria delas só fazia de tudo pra ser bem visto também pelas outras pessoas, porque a verdade é que quando você não era bem quisto a vida virava uma tortura.

Tantas opiniões.

Mas a gente sabe que não importa o que a gente faça sempre vai ter quem não goste da gente.

E abuso nesse ambiente não só era tolerado, como era tido como motivo de risada.

Agora não vou rir de ser espancada? Magina, quem sou eu, uma fraca?

Tudo é engraçado. E todos são tão liberais.

Exceto quando o assunto é liberdade.

Aí não pode ser gay, gordo, puta, não pode não fazer faculdade, ser neurodiverso, não pode ser preto ou aparentar ser qualquer coisa indesejada.

Pobre todos eles são, mas tem que fingir que não.

E pode roubar também, um do outro.

Empresta milhares de reais pro herdeiro e fica tranquila que ele não vai te pagar.

Ajuda a mentirosa que 20 anos depois continua perseguindo e tentando achar justificativas sobrenaturais pra coisa mais normal do universo: ser abandonada porque se é insuportável.

Imagina alguém que nunca pensou um dia da prórpia vida que podia estar errada, é ela.

Mas com certeza foi macumba. Porque ela achou trabalhos na encruzilhada.

Vai lá numa religião que não te cabe perguntar do seu abandono, extremamente respeitoso.

O alcolatra que conta sobre o alcolatra pior que ele pra parecer menos mal.

A mimadinha que quer acusar os outros de terem tudo.

A que só sabe pensar na herança da matriarca acusando os outros de roubo.

Braço curto.

Zero ajuda.

Na hora de reclamar a linguinha tá sempre pronta, mas fazer uma companhia pra velhinha?

Ela tem que lavar a louça. Dos filhos de quase 40 anos dela.

Ela é muito ocupada, tem que lavar a louça.

Laísa a vida inteira tentou passar pano, entender a perspectiva de cada uma dessas milhares de pessoas.

Ah, mas esse passou por isso, aquele passou por aquilo.

Mas não interessava o que ela estivesse passando o julgamento era sempre cruel. Radical, inaceitável. Abuso psicológico mesmo.

Era tão difícil que por anos ela simplesmente dissociava. Estava lá, mas não estava lá.

A mais profunda e completa negação. Achava até que tinha uma "família unida".

Fazia de tudo pra não perceber as crueldades e se percebia, esquecia em seguida.

Superpoderes do cérebro neurodivergente.

E com seus amigos fazia igual, fingia que era uma garota nada problemática.

Era uma pessoa sempre fazendo gracinha e nunca discutindo as coisas horríveis que ela passava, a maioria dos amigos dela não fazia ideia de quão desestruturada foi sua criação.

Aliás todos.

O melhor amigo dela a via como alguém normal. Esquisita, mas por opção. Normal.

Quando ela cresceu e começou a tomar decisões questionáveis na vida, nenhum dos amigos dela entendeu.

Mas você sempre foi tão isso e aquilo e aquilo outro. Tudo que ela queria que achassem dela, zero realidade.

A máscara tão pesada que ela simplesmente não sabia se nenhum dos amigos dela chegaram a amar ela de verdade. Sabia sim. Não dá pra amar quem a gente não conhece.

Ela cresceu e ficou completamente sozinha. Ainda passando por todos os abusos de quem veio de uma Grande Família. Tudo muito engraçado.

E não interessa nem quem ela é ou deixa de ser, porque no caso da Laísa a marginalização veio de berço.

sábado, 21 de dezembro de 2024

Sonho.

 Hoje eu sonhei com essas grandes torres em que todas as pessoas privilegiadas do mundo moravam juntas.

Teoricamente só existia paz e riqueza.

Mas como qualquer coisa que parece boa demais pra ser verdade, era.

Em algum momento do sonho eu descobria que só algumas pessoas tinham acesso a alguns andares das torres, andares com restaurantes, por exemplo.

Depois de investigar um pouco mais eu descobria que fora das torres existiam várias pessoas que viviam na miséria, sujeira e fome.

Ao conversar com algumas dessas pessoas descobri que o lema das torres que era algo como "Paz e felicidade para todos", no começo era algo muito mais obscuro, avisando que "Crianças más vão pro forno".

E a gente sabe que se de repente existe um poder que pode decidir que criança é má ou boa, esse poder é absoluto.

No meu sonho todos os dias dezenas de crianças eram queimadas juntas num forno debaixo das torres.

Crianças que os professores consideravam burras ou desobedientes, que algum adulto denunciava.

O que significava que no começo das torres, todo mundo vivia em vigilância constante com medo de ter seus filhos queimados.

Acontece que depois que isso deixou de ser um costume a vigilância constante continuou existindo.

Apesar das pessoas não saberem da verdade, existia um clima no ar que deixava claro que algo não estava certo. Sem contar o fato de que algumas famílias desapareciam do convívio social e quando alguém questionava as respostas eram vagas "ouvi dizer que eles mudaram de torre", "mas pra onde eles foram?", "não sei, só ouvi dizer que eles mudaram de torre", "eles não avisaram ninguém?", "Não...".

E a mudança de torre, no final das contas fui saber, era expulsão.

As pessoas que questionavam muito ou que de repente pareciam não fazer mais parte de alguma forma, seja por alguma excentricidade ou mudança de hábitos eram jogadas nas ruas.

Enquanto eu descobria tudo isso ficava morrendo de medo, porque afinal de contas, eu também morava nas torres.

E agora tinha descoberto isso.

E descoberto que alguns níveis das torres eram inacessíveis para a maioria dos residentes.

E agora tinham descoberto que eu sabia...

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Gratidão e amor


"Ferdi?"
Levantei os olhos e por um segundo tinha certeza que estava reecontrando uma amiga.
"Oi".
Os olhinhos dela estavam tão brilhantes. 
Parecia que ela estava vendo alguém que ela gostava muito.
"Ferdi, eu assisto seus vídeos desde 2010. Lembro de te assistir adolescente".
A doçura do sorriso, dei um abraço nela.
Fazia um tempo que não encontrava nas ruas alguém que lembrava assim de mim, com carinho. 
Foi tão especial sentir que uma parte de mim já era conectada a essa pessoa que eu acabei de conhecer.
Relações parassociais são tão importantes pra mim, foi tão legal ver que há tantos anos nós somos amigas, eu só não sabia ainda. Assim como eu tenho milhares de amigos que nunca me conheceram.
É estranho explicar, mas quando eu venho aqui falar pro mundo, pra qualquer pessoa que quiser ouvir, eu tô mesmo abrindo meu coração pra quem quer que queira me corresponder.
Quando a gente fala de números e engajamento fica parecendo que a vida aqui é matemática e mensurável.
Mas não é verdade.
Quando você realmente consegue se conectar com uma pessoa, através de uma tela, é uma coisa muito bonita, divina e mágica.
Cada pessoa que já dedicou um segundo do seu tempo e atenção ao meu conteúdo, com tanta gente maravilhosa e interessante por aí pra gente ver, tem uma partezinha do meu coração.
Brega e emocionada, eu sei.
Mas eu sou assim mesmo, meio brega, totalmente emocional e eu gosto de ser assim.
Encontros como esse tem a capacidade de me deixar feliz e extremamente agradecida por viver por meses, anos, pra sempre.
Eu lembro de toda pessoa que já me encontrou e me olhou com olhinhos genuínos de carinho.
É uma sensação muito especial.
E eu não sou descolada, eu me importo pra caramba.
E sou muito feliz por ter tantos amigos que fazem parte da minha vida de tantos jeitos pouco convencionais.
Obrigada por tudo.
Eu amo vocês.