quinta-feira, 3 de outubro de 2024

A construção do ser.

 Eu cresci em um ambiente de muita gente.

E como qualquer lugar com muita gente, tinha gente boa e gente ruim.
E as pessoas ruins que me cercavam, como a maioria das pessoas ruins, me julgavam muito.
Muito mesmo. Desde a mais tenra idade.
Desde que eu tenho memórias.

Quando você é constantemente criticada antes mesmo de entender o que é uma crítica, você tende a acreditar nas pessoas ruins.
"Você é ruim", "Você é feia", "Você é teimosa", "Você é irritante", "Você é gorda".
Nada dessas coisas eram reais porque eu não tinha nem tamanho ou oportunidade pra ser nenhuma dessas coisas, eu tinha acabado de chegar no mundo.

Mas quando um adulto fala pra você, uma criança pequena, que você é todas essas coisas você simplesmente acredita. Afinal de contas é um adulto, um ser responsável.
E ele não diria essas coisas se não fossem verdade, certo?
Eles não fariam isso, são adultos, afinal.

Eles só estão tentando me proteger e me ajudar a descobrir quem eu sou.
E por acaso eu sou uma criança que nasceu ruimfeiateimosairritante e gorda.


Ao longo da vida fui descobrindo que era outras coisas também.
Por exemplo eu era extremamente desafinada, e não importava que meu tio que era músico há mais de 40 anos dissesse que não, que minha voz era linda e que eu cantava muito bem.
Porque a lógica que eu utilizava na minha cabeça de criança era que elogios podem advir de gentilezas, críticas essas sim tem mais peso e são mais reais.

Porque pra que alguém sairia do seu caminho pra tentar influenciar a vida de uma criança, se não fosse por amor e preocupação?
Ninguém é tão desocupado e amargurado assim.
Ainda mais uma pessoa da sua família.
Certo?

Errado. Tem gente que é sim.
Tem muita gente que é.

E a gente, como os adultos de agora, temos que lembrar quanta gente continua sendo assim.
E o quanto as crianças não falam.
Geralmente não adianta perguntar, o que mais dói na criança é o que ela mais vai esconder, principalmente se você for uma referência positiva na vida dela.
Ela não quer que você também ache que ela é ruim, feia, teimosa etc

Com crianças que somos guardiões então o que a gente pode fazer?
A gente deve adivinhar.
A gente deve sentir.
A gente deve intuir.

É por isso que colocar uma vida nesse mundo é uma responsabilidade tão grande, porque não cabe só a você educar, você tem que se conhecer tão bem, estar tão sincronizado com a sua própria essência, sentimentos e intuição que você é capaz de adivinhar quando alguém está propositalmente tentando sabotar a vida do seu filho. Quando alguém está sendo cruel com um serzinho que acabou de chegar no mundo.

O cuidador de uma criança precisa ser sobrenatural, mágico, pra conseguir protegê-la.
E não se engane, ele tem que protege-la.
Falhar em fazer isso é falhar como ser humano.

Não, traumas não criam caráter, pelo contrário, eles atrapalham e às vezes até impedem a pessoa de alcançar suas potencialidades.

Uma pessoa ruim é uma pessoa muito poderosa.
Porque a gente evoluiu pra temer o ruim, porque a gente precisa sobreviver e a melhor estratégia de sobrevivência é evitar o que faz mal.

Correr do que faz mal.

Não pode bater, não pode gritar e também não pode deixar os outros baterem, não pode deixar os outros gritarem. Não pode.

Será que é sequer possível estar preparado pra tanta responsabilidade?

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

7 anos.

 Antes do último texto, eu fiquei 7 anos sem postar nesse blog.

Tenho ele desde os 12 anos, mas aparentemente aos 17 eu surtei e "guardei" todos os meus textos no orkut, em uma comunidade secreta, que só eu tinha acesso.

Orkut esse que posteriormente foi deletado, me deixando sem acesso a nenhum dos meus antigos textos.

Talvez seja pro melhor, porque segundo eu mesma de 17 anos, há 15 anos atrás, todos os meus textos eram extremamente tristes e depressivos.

O que me fez ter ainda mais vontade de lê-los. Paciência.

Ou não, já que acabei de ler alguns textos de quando eu tinha 17 anos e a vergonha que eu estou sentindo nesse momento é avassaladora. Avassaladora.

Talvez não saber algumas coisas seja melhor.

Talvez esses 7 anos desde a última vez que eu tinha postado aqui realmente vão ficar melhor no esquecimento. Quietinhos lá na deles.

Talvez eu realmente não tivesse nada pra dizer. Por 7 anos.

Ser um adulto é esquisito. Ser jovem era mais, mas não deixa de ser.

Acabei de ler um texto em que eu idolizava uma pessoa que foi muito ruim pra mim. Abusivo, manipulador e cruel, desde que eu nasci.

Negação é um mecanismo de defesa poderosíssimo por um lado e tão inútil, mais que inútil, prejudicial.

Meu estomago está revirado de ter lido o texto. Agora eu li outro e outro.

Eu chamava essa pessoa de "espaço-herói". Herói. Uma das pessoas mais cruéis que já cruzou meu caminho. Ressentido e mau.

Negação...

Li um outro em que eu falava sobre como meu melhor amigo não era mais meu melhor amigo e infelizmente isso não mudou. A mesma sensação de ser dispensável. Tonta.

Será que a amizade tava só na minha cabeça? Vai saber, faz tanto tempo...

Tanto tempo...

Eu escrevia muito sobre meus amigos.

Esses dias perguntaram pro meu irmão se como eu era quando mais nova e ele respondeu "Na verdade essa daí era maior rueira". Eu era mesmo.

Nunca estava em casa, sempre passeando com algum amigo.

Hoje em dia pelo contrário, sempre em casa, mal tenho amigos.

É esquisito porque não aconteceu nada dramático, eu só fui me entendendo melhor.

E melhor... e melhor...

Quando eu era mais jovem eu sentia que eu tinha que ser sociável. Que eu precisava ser normal.

Eu performava o tempo inteiro esse papel de alguém que eu acreditava que merecia ser amado e ter amigos. Aparentemente era da performance mesmo que eles gostavam.

Nesses textos tinham alguns comentários dessa pessoa que eu gostava muito e das últimas 10 vezes que tentei me reaproximar fui ignorada. Não era de mim que a pessoa gostava, era da minha persona.

Isso poderia me deixar triste, mas é libertador entender que eu não perdi ninguém, eu só nunca tive mesmo. Nenhma dessas pessoas estavam interessadas no meu coração, elas gostavam da performance.

E eu cansei de performar.

domingo, 22 de setembro de 2024

Autismo

 Esses dias fui diagnosticada com autismo moderado.

Não leve, nem severo. Moderado.

No meio do espectro.

Agora, com 32 anos, eu tinha alguma desconfiança de que eu sou neurodiversa, mas depois do diagnóstico me senti validada. Finalmente.

Finalmente deu pra entender porquê eu não entendia nada dessa vida.

É engraçado que enquanto criança e adolescente, eu não fazia ideia da minha neurodivergência, porque meus pais nunca me trataram como se tivesse algo errado comigo, pelo contrário, eles me trataram como se a minha diferença me fizesse especial. Única.

Meus pais... Até há pouco tempo atrás eu não tinha ideia da sorte que eu tive de nascer com esses pais.

Mas isso é assunto pra um próximo texto.

Hoje eu quero falar sobre o peso que foi tirado das minha costas ao entender que eu não inventei "ser esquisita", eu não estava "tentando chamar atenção".

Meu cérebro só funciona de um jeito diferente.

Diferente do cérebro neurotípico e diferente do cérebro autista masculino.

Acho que até por isso foi tão tardio meu diagnóstico, eu simplesmente não tinha nenhuma referência do que era ser uma mulher autista.

Absolutamente nenhuma representação em nenhum dos milhares de filmes, livros e séries que eu consumi ao longo da minha vida. Nada.

Como se a gente realmente não existisse.

Deve ser difícil conviver com uma mulher que não sente vergonha.
Eu não sinto vergonha quase nunca.

Às vezes que eu senti foram tão atípicas que eu lembro da maioria delas até hoje.

Outra coisa que acho que contribuiu pro meu diagnóstico tardio foi minha inteligência.

Minha adaptabilidade. Coisas excelentes pra um cérebro neurotípico, não tão boas assim pra um cérebro neurodiverso não diagnosticado. Fica mais difícil de "perceber".

Depois de um tempo eu tentei conversar com meus pais sobre provavelmente ter autismo e os dois ficaram meio ressabiados, "Será, filha? Eu não consigo ver".

E eu entendo completamente. Até eu demorei mais de 30 anos pra ver.

Depois do diagnóstico eles ficaram orgulhosos 

"Tá vendo filha? Você conseguiu conquistar tudo que as outras pessoas conseguiram mesmo tendo um cérebro diferente". Era o que eu queria ter ouvido.

Mas por acaso eles falaram exatamente a mesma coisa de se sentirem orgulhosos (em ocasiões diferentes, meus pais são divorciados), mas acho que o termo que eles usaram não foi bem "diferente", foi mais algo como "deficiente". E de novo, eu entendo completamente.

É assim que o cérebro autista é retratado por aí, como um cérebro deficiente.

Mas eu não acho que isso seja verdade. Eu acho que o cérebro autista é incrível e eu não trocaria de vida com ninguém nesse mundo. Eu amo a pessoa que eu sou não apesar do meu autismo, mas por causa dele.

Esses dias estava fazendo uma live e comentei que tinha acabado de receber meu diagnóstico e um rapaz falou assim "Mas você acredita nisso? Porque hoje em dia todo mundo é autista".

E é tipo o que fizeram com nós lgbtqia+ ao longo dos anos.

"Porque agora todo mundo é gay".

Não, não é agora. Nós sempre fomos.

Sempre fomos autistas, sempre fomos gays. A gente sempre existiu.

Vocês só tentavam esconder nossas existências. Não mais.

É tipo quando alguém vai falar bem do Einstein e dizem que ele era um brilhante cientista alemão, mas quando querem criticar de repente ele vira um cientista judeu.

Quando bem sucedidos no passado, os neurotípicos da época "perdoavam" nossa gayzice, chamavam nosso autismo de "excentricidade". Mas quando errávamos de repente éramos sapatonas e retardados.

Hoje em dia "não pega bem" ser abertamente assim, mas a quantidade de gente ruim enrustida continua estarrecedora.

Esses dias tava vendo um tiktok em que uma mulher falava alguma coisa sobre gordos, falando que ela não gostava mesmo e era direito dela.

A quantidade de comentários rindo e dizendo que "já que eu não posso falar, você fala por mim" foi insana. Insana.

Digo insana porque não tem sentido lógico odiar ninguém por ser diferente. O mundo só funciona por conta das nossas diferenças.

Imagina que pesadelo um mundo só de neurotípicos? Nem eles iam querer viver nele.

Mas tudo que é difícil de compreender fica guardado para os sensíveis, os delicados, as pessoas que genuinamente tem um coração aberto e amoroso. 

E não pensem que esse texto é uma maneira de colocar pessoas neurotípicas pra baixo, Deus me livre, não tenho preconceito nenhum. Tenho até amigos que são.


quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Das três cidades.

Quando a gente nasce num lugar e cresce no mesmo, todas nossas lembranças, memórias, medos e amigos estão atrelados a essa localização geográfica.
"Quando eu aumentava o raio da localização eu parava de gostar das pessoas".
E é claro que nem sempre, mas estar com alguém que entende a dinâmica e as implicações da cidade em que você se formou é importante.
Dito isso:

Ele nunca conseguia se encontrar.
Com nada.
Ele passeava e dava oi pra dezenas de milhares de pessoas.
Estava sempre sozinho e procurando um outro lugar, um outro estado, um espírito específico.
Romance a distância.
É sobre a ansiedade, a solidão, o ninguém te incomodar e ao mesmo tempo o sentimento, a atenção que um parceiro te daria.
É ideal quando você precisa se enganar que você precisa de alguém, quando não, mas o carinho, o carinho é sempre importante.
Dar carinho deveria ser obrigatório em todas as relações amistosas que a gente cultiva.
Como não é, a pessoa média tá sempre um pouco carente, sempre querendo um abraço que ela não pode pedir.
Se organiza, ele me pediu, mas não existe organização num fluxo continuo de palavras que você precisa exorcizar de você.
"Mas desse jeito talvez ninguém compreenda, talvez você não comunique nada", aquela vozinha atrás da orelha me falou.
Isso era pra ser um conto, sobre um amigo imaginário, sobre essa situação e essa busca e essa luta que é estar sozinho num mundo indiferente, mas virou, mais uma vez, o que eu faço.
E o que é que eu faço?
Não existe uma categoria literária que eu conheça na qual eu me encaixe.
É sobre fruição, não artística, mental.
Deixa ele relaxado, deixa ele livre e escuta o que ele tem pra te dizer.
Só lembra sempre quem você é e como é mágico ser um mágico.
Ninguém precisa saber.
Acontece eu querendo ou não. Pena que nem sempre há registros.
Extra extra, hear me now!
É claro que eu tenho capacidade de concatenação, mas me incomoda que tudo precise ser tão mastigado, as mensagens estão sempre aí pra quem souber entender.

Um dia ele conheceu essa pessoa, saída de um sonho, todos saem de um sonho (do nosso sonho) quando a gente se sente sozinho.
Mas ele não sabia disso ainda e foi até lá, lá era longe, era outro contexto, era confuso, só que não era, todas as cidades são iguais quando não são.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Os planetas se alinharam.

Essas últimas semanas foram muito confusas.
A gente achou até que ia enlouquecer, que tinha enlouquecido, esqueceu o que era são.
O tempo passou de dois jeitos diferentes, o meu e o dele.
O meu sendo o de vocês e o dele um totalmente novo.
Sete dias em três.
"Ele ainda acha que tem um poder especial, que tem alguma coisa que só ele pode fazer".
Ele tem razão.
Você não conhece essa pessoa, como você pode atestar o que é são?
Dias e pessoas e peixes se passaram, até o álcool teve sua função.
Em qualquer outra ocasião eu teria adorado.
Deixa que levem, nossos bens materiais não nos importam.
Agora a gente pode usá-los. Eles finalmente têm uso!
Não mais um medo nauseante de perder qualquer coisa, são sempre experiências, o universo se encarrega, a matemática se encarrega, eu me encarrego, 22 anos em 4.
A matemática e os sistemas, como descobrir os padrões, quem está dentro de qual.
A concisão da minha escrita disléxica é o que faz esse e esse folharem.
Nada explicativo, é sobre as sensações, tentar agarrar um pouquinho da essência do que o outro tenta comunicar. É simbiótico.
A chave da cripta encripta a alma.
Estresse pós traumático em que o trigger são palavras.
O ponto é.
Eu nunca entendi o ponto, mas como ele bem disse, não é sobre entender, é sobre sistematizar pra se proteger, de tudo que virá a partir disso, dessa confiança, desse encantamento.
Tem que aproveitar o impulso do momento.
Aconteceu também em Berlim.
A confusão traz a produtividade.
E as pessoas já escutaram o sino das grandes coisas e querem ver de perto.
Venham!

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Suspiro.

Queria escrever sobre uma grande amiga, mas um suspiro bem fundo e cansado não deixou.
Não se escreve sobre quem a gente ama com a cabeça assim, emaranhada e chata.
Não se deveria escrever sobre nada.
Mas antes que se pare pra pensar os dedinhos já caminham sobre o teclado tentando extrair algum sentido dessa vida que tanto promete e muito entrega.
O inferno jamais são os outros, o inferno é nossa percepção dos outros e o poder que a gente dá pra eles.
É engraçado pensar como essa distribuição de poder é aleatória e o quanto a gente precisa de sistemas e técnicas pra não ficar completamente perdido em primeiras e terceiras impressões.
Talvez não seja tão difícil ou aleatório pra todo mundo, mas eu sou a pior descobridora de caráter que já vi na vida.
Basta um sorriso, um elogio e eu tenho certeza que aquela pessoa quer o meu bem pra sempre (porque, em geral, me basta isso pra querer o bem de quem for), não é saudável, eu sei.
É tão pouco saudável que por grande tempo eu me retraí, de tudo e todos que conhecia, entrei na minha concha transparente e não deixei quase ninguém interagir.
Essa amiga que eu vou escrever sobre amanhã ou mais tarde, ela eu deixei conhecer minha concha, tem algo na disponibilidade e alegria dela que genuinamente me acalmam.
Digressão.
Quando eu li O Apanhador no Campo de Centeio pra primeira vez achei um máximo que o Holden tivesse tanto attention span quanto eu.
Eu não era tão errada afinal de contas.
O problema é que eu era sim, o livro inteiro é sobre a não aceitação e eu não entendi nada, peguei os maneirismos e transfigurei numa pseudo lógica imaginária.
Digressão.
E novamente sobre eu.
É tão difícil ter uma perspectiva completamente neutra sobre a vida.
O outro está sempre em relação ao eu, contaminando, folgadamente esquecendo que nós somos apenas o centro do nosso próprio universo e ele só é de fato relevante para a nossa compreensão de mundo.
Rambling rambling rambling.
Imitando o meu trajeto.

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Voltando ou Meu Pai.

Há alguns meses ele foi,
aceitou que ia,
mas pela primeira vez não quis.

Vou ficar um pouco e ver como me sinto.
Mas o que vocês fazem aqui?
A gente nada, limpa a casa, colhe frutas,
brinca com os cachorros, come bastante,
tem reuniões, muitas reuniões, todo dia várias,
e a gente fala do que a gente sente e eu escrevo,
escrevo muito e o tempo todo.

Tanto que eu acho que ele deveria publicar um livro,
mas me deixa ler antes.

Ele me mostrou que no caderno dele tem a "Fê burra" e eu fiquei pensando quem será a Fê inteligente.

Ele contou pro meu irmão o que ele até já sabia, imaginava, deduzia, ele não era tão pequeno, o dobro da minha idade quando eu soube com certeza.

(No dia em que eu descobri tinha mandado a minha primeira e única cartinha anônima de amor, que foi lida, rasgada e jogada no lixo)

Tiveram relógios e carregadores de celular.
Engraçado pensar nisso, eu nem lembrava que na época a gente já tinha celular.
Vai ver que eu penso que sou mais velha do que sou.

Me senti assim desde então, velha e responsável
Tanto que anos de irresponsabilidade vieram me cobrar

Eu nunca vou me perdoar por ter te virado as costas, pode deixar
Você mesmo já perdoou, mas não é algo que se possa amenizar
Fui horrível.

Você na minha peça e eu gritando que não ia falar com você do camarim
Uma cena que o público não assistiu, ainda bem

A mágoa que eu sinto é comigo mesma
Me foquei tanto por tanto tempo em querer te ajudar que não desenvolvi quase nada do que você tentou me ensinar
Não aprendi sua profissão
Sua confiança
Seu charme
Seu carisma
Sua rapidez
Sua caridade
Sua calma
Suas paixões
Escolhi ser uma loser
Com medo que parecer você me levasse a um lugar incomum
Os lugares incomuns aparecem independente de quem a gente seja
Escolhi? ser triste e ser diferente
Mas não quero mais, cansei, quero meu pai

E ele volta na quinta-feira
Vai fazer pizza pra gente
Ele sempre faz tanta coisa pra nós


Todo o tempo que eu perdi achando que você era mais errado do que o resto do mundo nunca mais vai voltar, mas pai, pode ter certeza, hoje em dia eu sei
Você é uma das poucas pessoas que tem um problema, reconhece esse problema e luta contra ele
Todo mundo fingindo estar bem, fingindo ser bom, estar no controle e descontando em todo tipo de comportamento repulsivo, você não
Você sempre quer ser melhor, como humano
Obrigada

Obrigada por todo amor, toda comida, todo conselho
Obrigada por me incentivar a ser sempre mais feliz
E me respeitar tanto

Não é culpa da mãe, mas entre vocês dois se alguém é machista é ela
Aliás, ela sempre me contou que quando ela tava grávida você queria uma menina

Cá estou eu

Desculpa se rebelde burra mesquinha mimada traumatizada assustada louca covarde e tudo que é defeito que eu ainda nem aprendi que tenho
Obrigada por não desistir da nossa relação

Te amo e volta logo, saudades.


segunda-feira, 20 de novembro de 2017

I lost it.

Há alguns anos eu era outra pessoa, adolescente, claro, ajuda, mas alguém com esperanças e sonhos e principalmente com algum senso de valor, de amor próprio.
Ao longo do tempo eu só perdi.
De repente tudo que eu falava ou pensava era só alguma frivolidade sobre alguma conversa que eu escutei na fila de algum supermercado sem rosto.
De repente, ao longo de longos anos, eu me tornei esse semi ser, esse vazio inconsolável de mentiras e mágoas que eu nem sei de onde apodreceram.
O tempo passou e minha essência volatilizou, sem me reconhecer eu fui aceitando cada vez menos, cada vez menos vontade, menos alegria, menos amigos, menos empenho.
Pouco a pouco eu fui cedendo meu eu e me tornando um alguém sem norte.
Eu desisti de mim por completo.
Viver em função.
Não posso me matar sempre por conta dos outros.
Os outros.
Meia dúzia de pessoas que nunca desistiram de mim, meu irmão, meu melhor amigo e amor, um ou outro amigo, meus gatos?
Esse tempo todo eu batia minha cabeça sem saber o porquê de tanta gente boa ainda esperar que eu esperasse algo da vida e, de repente, um lembrete: um texto.
Um texto juvenil que falava das minhas intenções de ser um espírito livre, sem nada a perder, vagando pelo mundo, procurando um canto pra abraçar uns animais e trocar umas histórias com quem aparecesse por aí.
Eu não sou a mesma pessoa que escreveu aquele texto (sequer sou uma pessoa no momento), mas lembrar dessa faísca reacendeu algo, ressuscitou em mim a vontade de ser.
O quê eu nem sei, mas buscar, me dar mais uma chance, ressignificar algum valor, algum amor pelo que pode vir a ser.
É muito difícil perceber que é tão fácil se perder e ficar assim, como um barco perdido no meio do mar, sem remos, sem perspectivas, só o vazio e a solidão.
Mas ao mesmo tempo essas palavras que saem de mim são como vida escorrendo dos dedos, não para mais ninguém, sem nenhuma pretensão, como sempre foi, mas pra eu não esquecer.
Nunca esquecer.
Ferdi, não esquece: tem vida dentro do seu peito, é só acordar e cuidar.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

7 horas da manhã.

Acordei.
Um frio na espinha e dor na cabeça.
Responsabilidades.
É difícil não concordar ou querer fazer parte do mundo em que você nasceu.
É difícil porque você tenta se adequar o tempo todo, mas nunca é suficiente.
Você nunca fica adequada, você no máximo finge alegria e depois passa horas rolando na cama e puxando os cabelos.
Os adolescentes estão sempre repetindo que não pediram pra nascer, mas eles também não podem se matar.
Poder poderiam, mas e minha mãe, meu amor, meu pai, meu irmão, minha tia, minha avó, meu avô, eles também não pediram pra passar por esse tipo de desgosto.
Eu obriguei eles a me amarem, você obrigou eles a te amarem e por isso não pode ir embora assim.
E a vida sempre pode melhorar, é o que te dizem.
Amanhã você pode arranjar uma coisa que ama fazer e ganhar dinheiro com isso e pronto, a vida faz sentido de novo.
Só que nunca fez e nunca vai fazer.
Não é esse o problema.
Não é porque você vive numa bolha de conforto e proteção que você não vê ou entende o que se passa com o mundo.
E você, que vive nessa bolha, se sente assim, triste, doente, amargurada, ansiosa e com vontade de morrer, imagina qualquer outra pessoa.
Imagina a tortura que é a existência pra alguém que além de tudo não tem conforto, não tem proteção, é visto pela polícia como ameaça, ou pelas famílias como um desgosto, ou pelos homens como alguém de menor valor, ou pelos humanos como puro instrumento de satisfação da gula.
Imagina você, você que não sofre de fato a dor na carne, sua dor é na cabeça, sua dor é espiritual e ainda assim ela dói tanto.
Às vezes eu paro o meu dia pra imaginar o que que seria um enforcamento.
Tudo isso por causa de uma conta pra pagar?
Tudo isso por causa de um mundo que privilegia o mau?
Tudo isso porque, cada dia mais, o mundo parece anestesiado?
A arte é só entretenimento e quando é de fato arte, ninguém para pra prestar atenção.
E se para, logo volta, porque a arte tá aí pra te fazer enxergar e refletir e tudo é tão destruído e errado, que não dá pra culpar a população por querer nem saber.
Cerveja, balada, selfie, pool party, drogas, consumo.
Qualquer coisa que te tire da cabeça a insignificância da sua existência, porque é isso.
Você vai acordar e sofrer cada dia da sua vida e pra nada.
Ninguém vai lembrar de você 10 anos depois da sua morte.
Ninguém vai citar seu nome.
A não ser que você tenha sido algum tipo de celebridade, aí sim vão lembrar de você, por mais 50 ou 60 anos e depois também você vai ficar no vazio, no limbo do nada, porque não existe nada, não existe propósito, não existe porquê.
Você poderia muito bem ser o robôzinho, do Rick and Morty, cujo o propósito da vida é passar manteiga e nada mais.
"Oh my good", com as mãozinhas pra cima.
Sua desilusão não torna as coisas melhores.
Então é melhor você aproveitar o hedonismo, quando for possível.
E poder, na verdade, é só o seu ego.


Desenho que eu fiz ontem, sobre o desalento de hoje




domingo, 16 de outubro de 2016

Estudar é uma constante.

Ou deveria ser.
Todo dia aprender algo novo, algos novos.
É triste que seja tão possível viver uma vida sem curiosidade.
Você nasce, cresce, vai pra escola e enquanto é desenho e massinha você adora, mas de repente tiram isso de você.
As matérias que começam a te apresentar desconsideram inteiramente a possibilidade de existir algum artista entre tantas crianças.
O conhecimento.
O conhecimento fica lá, como um estorvo.
O professor tratado como alguém desagradabilíssimo, ganhando mal, sendo ameaçado, não tendo voz, valor ou qualquer possibilidade de se defender.
Desconsidera-se também completamente o melhor método de aprendizado pra cada aluno, as classes são separadas de maneira aleatória, nenhum teste ou conversa pra saber quais alunos aprendem igual, quais alunos teriam mais afinidades, quais alunos poderiam se ajudar. Não.
A escola é uma competição.
Seja competindo pra ver quem é o mais inteligente e tira as melhores notas, seja competindo pra ver quem é o mais burro e tira as piores notas, seja pra competindo pra ver quem mais socializa.
O aprendizado vira outra coisa.
"Quem faz a escola é o aluno" e de fato, o universo está pronto pra te ensinar tudo que você quiser, não tivesse a sua curiosidade sido assassinada pela escola nos termos que ela existe nesse momento.
O interesse em aprender precisa estar necessariamente vinculado a ganhar dinheiro, se não estiver "pra que você gasta tanto tempo com (insira aqui uma atividade que te faz compreender o mundo mil vezes melhor, porém não enche automaticamente o seu bolso de dinheiro)".
"Mas tantas pessoas sérias, nas universidades".
Tanta criança branca, rica, de escola particular nas universidades.
E ainda assim, quando as crianças pobres começam a engatar nas universidades não só são acusadas de despreparo como, em seguida, são expulsas do seu lugar conquistado por um golpe de estado.
E as pessoas desse país foram tão bem educadas que acham isso uma boa ideia.
A apreciação pelo que te faz sentir parte de uma coisa maior, entender o quanto a natureza e você são uma coisa só, os processos que fazem as pessoas serem elas mesmas, descobrir novos músicos, novos pintores, escultores, toda espécie de criação, entender processos científicos que mudam nossa vida todo dia, desafiar sua inteligência. Não.
E sabe por quê?
Porque o mundo é uma competição e só um tipo de inteligência é valorizado.
Ganhar dinheiro.
Pode trapacear, pode passar por cima do "amigo", tá ganhando dinheiro?
"Esperto é ele".
E a gente segue assim, nessa depressão e vontade de morrer constantes, em um mundo onde a curiosidade além do necessário é completamente desestimulada.