quarta-feira, 30 de abril de 2025

Kit de Mágica do Xaropinho

Um dia meu pai e meu irmão chegaram na minha casa com um kit de mágica do Xaropinho.

Sem contexto.

- Mas o que que é isso?

- É um kit de mágica do Xaropinho, com o Lipan. Não conhece o Lipan?

- Não.

- Ô loco, filha ele tá sempre no Chavão, é mágico, já foi no record, no sbt...

- Ahh...

- Mas aonde vocês conseguiram isso?

- É um kit de mágica, com mágica.

Meu pai era uma das pessoas mais engraçadas que eu já conheci. 

Completamente aleatório.

Ele também era das mais prestativas, qualquer ajuda que você precisasse era só falar com o Tocão.

Meu pai amava morar na praia, morou lá por um tempo, mas eventualmente uma tia minha que ele amava muito foi diagnosticada com câncer no cérebro. Essa tia era irmã da minha mãe.

Pois ele mudou de volta pra cá pra poder fazer parte da rotação que ficava fazendo companhia pra ela no hospital.

Meu pai era muito doce.

Ele amava ajudar de todas as formas possíveis e amava demonstrar o amor dele através de ensinar.

E cozinhar, fazer piada, deixar o clima agradável.

Hoje eu estava lembrando da pior coisa que ele já falou pra mim em toda minha vida, foi numa época muito difícil em que ele estava muito deprimido, com ideações suicidas, tinha acabado de vender a parte dele do comércio que ele amava mais que tudo, estava em casa cuidando da gente enquanto minha mãe trabalhava e ele trabalhou fora a vida inteira, desde os 12 anos, então ele estava sofrendo muito mesmo.

E eu estava dando esse sermão nele, que ele não podia fazer isso e aquilo e bem brava.

E ele me falou a pior ofensa que ele já me fez na vida.

Ele disse "você só gosta de mim quando eu tenho dinheiro".

Foi tão chocante ouvir meu pai falar qualquer coisa que não fosse amorosa pra mim que eu lembro até hoje. E ele não falou nada sobre o meu caráter, não me xingou ou diminuiu de nenhuma forma.

Ele simplesmente declarou que agora que ele não trabalhava mais fora ele sentia que eu gostava menos dele.

Eu tinha 15 anos.

Até os meus 33, que foi quando ele morreu, não falou mais nada que não fosse de origem preocupada ou amorosa.

Meu pai amava os filhos dele mais do que tudo, eu e meu irmão.

Hoje eu acordei com uma mensagem do meu vô:

"Nós iremos amanhã para Boracéia levar as cinzas do Adriano".

Faz 22 dias que o meu pai morreu.

22 dias tentando me acostumar com essa terrível e cruel realidade.

Mas ler essa mensagem me fez sentir como se meu peito fosse de vidro e alguém tivesse acabado de dar uma marretada cheia de ódio nele.

Não foi a mensagem do meu vô, foi a lembrança de que, não importa em que grau de negação eu esteja, meu pai não existe mais.

Ele realmente nunca mais vai me dar um sorriso, fazer uma piada, falar que de macaco ele só gosta do George, nunca mais vai assistir Cobra Kai comigo, nem fazer comida pra mim, nem elogiar minhas comidas, nem elogiar minhas pinturas, nem agradecer todo bonitinho quando eu der um presente pra ele, nunca mais vai ligar as luzinhas que eu dei pra ele, nunca mais vai se arrumar todo bonito pra ir no centro, ou vai no estádio comigo, ou vai me contar histórias da juventude dele, da infância, nunca mais vai lembrar com precisão de datas e horários que aconteceram há mais de 30 anos, nunca mais vai escrever nada com aquela letra linda que ele tinha, não vai buscar a medalha de 1 ano e meio que ele tinha conseguido, nem a de 2 anos, 3, 4, 10, 20...

Não tenho mais meu pai.

A pessoa que mais me entendia e que menos me julgou na minha vida.

Era tão fácil ser amiga dele, estar na presença dele.

Tudo que ele me fez sofrer nessa vida foi só pela ausência.

Meu doce pai.

Ninguém tem direito a um bom pai, todos nós só temos direito a um pai.

Mas o meu pai era não só um bom pai, ele era um ótimo pai, amoroso, amigo, interessado.

Eu estou tão confusa com a ausência permanente dele na minha vida.

Como pode isso? Como pode uma coisa dessas? Como pode a pessoa simplesmente desaparecer?

Primeiro meu passarinho, depois minha cachorra, depois meu pai.

É como se não tivesse sobrado muita coisa.

Como se morrer fosse uma questão de ir perdendo quem a gente ama.

E ele já tinha perdido tanta gente.

Pai, onde quer que você esteja espero que você esteja em algum lugar, porque eu vou sentir sua falta até te encontrar de novo.


quinta-feira, 10 de abril de 2025

Meu pai. Ou Adriano "Tocão" Costa.

 Meu pai é o tipo de pessoa que você ia adorar conhecer.

Porque meu pai é carismático, engraçado, palhaço, ele reflete muito sobre a vida, ele escuta de maneira atenta e ele tá sempre pronto pra ajudar.

Meu pai é um espírito livre, que me ensinou a ser um espírito livre.

Ele me ensinou que não existe sempre uma resposta certa para as coisas, que tudo tem muito mais nuance do que a gente consegue imaginar.

Meu pai.

Ninguém tem direito a um bom pai, a gente só tem direito a um pai.

Mas Deus me ama tanto que ele me deu um bom pai, um ótimo pai, um pai amigo. Melhor amigo.

Um pai que ouve, um pai que nunca usou o fato dele ser meu pai como justificativa pra saber melhor, muito embora muitas vezes ele soubesse, meu pai achava extremamente importante dividir as coisas comigo e pedir minha opinião. E ele considerava minha opinião, sempre.

Meu pai respeitava muito a minha inteligência.

Meu pai era um homem brilhante. A rapidez que ele tinha pra solucionar problemas era uma coisa linda de se ver.

E a linguagem do amor dele era atos de serviço. Ele tava sempre querendo ajudar a gente. Prestando atenção em tudo que a gente gosta.

Eu nunca vou esquecer do dia que meu pai me deu minha primeira câmera fotográfica, ou quando ele me deu meu primeiro computador, ou quando ele me deu um vídeo game porque eu fiz uma cirurgia que, pela primeira vez na minha vida, ia me impedir de aproveitar o verão com ele, na praia.

Então ele deu um jeito de me fazer aproveitar o verão de qualquer jeito, sem praia, mas com jogos e companhia e brincadeiras.

A gente fazia tudo junto. O único momento que eu, meu pai e minha mãe não estávamos juntos era quando eu tava na escola. E eles me levavam e me buscavam e me zoavam.

"Nonco, minha Nonozinho, Nooonco, a gente te ama".

E eu nunca por um segundo na minha vida consegui entender como que um adolescente podia ter vergonha dos seus pais. Vergonha de ser amado? De ter melhores amigos?

Eu amava quando eles brincavam comigo na porta da escola.

Meu pai...

Meu pai sempre quis ter uma filha menina.

Por parte de pai, inclusive, eu era a única menina.

Eu fui a única menina a vida inteira dele.

Éramos o Rafa, eu, o Gu e depois meu irmão.

Ele e o tio Leandro.

E só eu lá, de menina. Toda atenção e carinho do mundo.

Extremamente mimada.

Uma das coisas que eu mais fiz na minha infância foi ser mimada, ficar da beira da psicina com meu vô, minha vó, meu pai e minha mãe comendo pringles, amendoim e salaminho com limão. Com palitinho, claro, pra o limão não manchar nossa pele.

Quantas tardes preguiçosas a gente passou só aproveitando a natureza, a família, a comida, a brisa do ar, o frescor da água...

E quantas aventuras meu pai me levou pra viver.

Vamos procurar cachoeiras, vamos conhecer uma praia que quando eu era pequeno eu acampava com o vô, vamos naquele restaurante na beira do mar, vamos pegar a balsa pra Ilha Bela.

E as histórias, milhares de histórias, ele me contava tudo, o bom, o ruim, o médio e o desastroso.

E eu amava ouvir as histórias dele, histórias essas que ele sempre contava rindo.

E ele tinha uma amor pela vida, uma paixão por aproveitar e viver... quantas vezes ele não me levou no estádio ver o Tricolor jogar, nós vimos ele ganhando a libertadores em casa.

E quantos estádios a gente conheceu junto, passávamos horas assistindo jogos e programas de esporte. Como eu amava passar tempo com o meu pai.

Nunca vou esquecer uma vez que ele nos levou na playland e gastou um dinheiro absurdo só pra eu ir em todos os brinquedos que eu quisesse, quantas vezes eu quisesse e depois ainda almoçamos no All Parmegiana.

Parmegiana, panquecas, queijadinha, lasanha, pizza, hamburguer, noite do pão de queijo, lanche para quem gosta de lanches... como não lembrar do meu pai? Meu pai passou tantas, mas tantas horas da vida dele cozinhando pras pessoas que ele amava. E ele cozinhava divinamente.

E era extremamente generoso com seu conhecimento culinário, desde criança, às vezes o Biel tava assistindo desenho, eu no messenger com meus amiguinhos, pois ele fazia a gente ir pro cozinha pra entender como ele fazia o molho, como ele refogava tal coisa, que jeito que a gente tinha que fazer pra ficar cremoso sem queimar, meu pai era um cozinheiro brilhante. E graças a ele eu e meu irmão somos também. Graças a ele ser vegana é extremamente fácil pra mim, porque desde pequena ele me ensinou tudo e com muito amor, com muita atenção e carinho.

Tudo que meu pai mais amava era passar tempo com a gente.

Ele amava, a gente podia estar em silêncio sentado não fazendo nada que ele gostava de estar do nosso lado. Meu doce pai.

Meu pai nunca foi ciumento, controlador, nunca usou seu título de pai pra me intimidar ou me fazer sentir pequena, meu pai sempre foi meu amigo, meu parceiro, alguém que eu sempre pude contar com.

Não tem nem como contar tudo que ele fez por mim, a televisão, geladeira, o estúdio de fotografia, as câmeras, home theater, ele amava deixar tudo o mais confortável possível pra gente, confortável e bonito.

Ele fez um rack pra nossa casa, de madeira, depois pintou de azul e amarelinho e ficou tão lindo, meu pai tava sempre consertando alguma coisa. 

Uma vez ele foi me buscar num show, horas antes do show acabar e eu falei pra ele, pai, vai pra casa, não tem problema, depois eu me viro.

Pois ele ficou me esperando por um tempão numa noite gelada e não me deixou sair do show antes. Esse era o tipo de pai que ele foi.

Meu pai amava música, ele tava naquele show do Queen no rio de janeiro em 85, ele foi em tanto show legal, tantas viagens legais, conheceu tanto mundo. Ele amava música e a gente escutava música o tempo inteiro. Às vezes eu mostrava minhas músicas de adolescente pra ele e perguntava "Gostou?" e ele respondia "Popero", o que significava que ele tinha gostado, mas não era um rock'n'roll.

Ele amava rock'n'roll.

Graças a ele eu tive uma infância excepcional.

Meu pai não me deixava um fim de semana sem ir pra praia, a gente passava o verão inteiro por lá, chegavamos em casa todos bronzeados, eu não saia da água de jeito nenhum, fosse mar, psicina ou cachoeira.

E meu pai e minha mãe sempre foram melhores amigos, ele me ensinaram que se não fosse pra casar com alguém que te divirta o tempo todo, nem vale a pena. Nossa casa era uma casa de alegria e brincadeiras. Quanto você me ama? Chafariz. 

E meus pais se conheceram adolescentes, aprontaram muito juntos, fizeram cada uma, meus pais...

Meu pai e minha mãe mesmo depois do divórcio nunca deixaram de ser amigos, nem por um momento, inclusive a primeira vez que eles se separaram eles foram juntos morar na casa da minha vó materna.

Ontem, no velório dele, depois da família dele fazer uma oração, a família da minha mãe pediu o espaço pra fazer também. Porque ele tinha duas famílias, a dele e a da minha mãe.

Todo mundo amava o meu pai. Eu amo tanto o meu pai.

E eu nem acredito que eu tô tendo que falar dele no passado.


Pai, vó Sirlei e tio Leandro

                                           Mãe e pai



Pai


                                                                                                                                     Vó Sirlei e pai

Pai e eu


                              Eu e pai

                                                                          Pai e Biel

Renas, pai e Biel

Mãe, Pai, Biel e eu


 Eu, pai, Biel e mãe

       Viva o Tocão!