quinta-feira, 3 de outubro de 2024

A construção do ser.

 Eu cresci em um ambiente de muita gente.

E como qualquer lugar com muita gente, tinha gente boa e gente ruim.
E as pessoas ruins que me cercavam, como a maioria das pessoas ruins, me julgavam muito.
Muito mesmo. Desde a mais tenra idade.
Desde que eu tenho memórias.

Quando você é constantemente criticada antes mesmo de entender o que é uma crítica, você tende a acreditar nas pessoas ruins.
"Você é ruim", "Você é feia", "Você é teimosa", "Você é irritante", "Você é gorda".
Nada dessas coisas eram reais porque eu não tinha nem tamanho ou oportunidade pra ser nenhuma dessas coisas, eu tinha acabado de chegar no mundo.

Mas quando um adulto fala pra você, uma criança pequena, que você é todas essas coisas você simplesmente acredita. Afinal de contas é um adulto, um ser responsável.
E ele não diria essas coisas se não fossem verdade, certo?
Eles não fariam isso, são adultos, afinal.

Eles só estão tentando me proteger e me ajudar a descobrir quem eu sou.
E por acaso eu sou uma criança que nasceu ruimfeiateimosairritante e gorda.


Ao longo da vida fui descobrindo que era outras coisas também.
Por exemplo eu era extremamente desafinada, e não importava que meu tio que era músico há mais de 40 anos dissesse que não, que minha voz era linda e que eu cantava muito bem.
Porque a lógica que eu utilizava na minha cabeça de criança era que elogios podem advir de gentilezas, críticas essas sim tem mais peso e são mais reais.

Porque pra que alguém sairia do seu caminho pra tentar influenciar a vida de uma criança, se não fosse por amor e preocupação?
Ninguém é tão desocupado e amargurado assim.
Ainda mais uma pessoa da sua família.
Certo?

Errado. Tem gente que é sim.
Tem muita gente que é.

E a gente, como os adultos de agora, temos que lembrar quanta gente continua sendo assim.
E o quanto as crianças não falam.
Geralmente não adianta perguntar, o que mais dói na criança é o que ela mais vai esconder, principalmente se você for uma referência positiva na vida dela.
Ela não quer que você também ache que ela é ruim, feia, teimosa etc

Com crianças que somos guardiões então o que a gente pode fazer?
A gente deve adivinhar.
A gente deve sentir.
A gente deve intuir.

É por isso que colocar uma vida nesse mundo é uma responsabilidade tão grande, porque não cabe só a você educar, você tem que se conhecer tão bem, estar tão sincronizado com a sua própria essência, sentimentos e intuição que você é capaz de adivinhar quando alguém está propositalmente tentando sabotar a vida do seu filho. Quando alguém está sendo cruel com um serzinho que acabou de chegar no mundo.

O cuidador de uma criança precisa ser sobrenatural, mágico, pra conseguir protegê-la.
E não se engane, ele tem que protege-la.
Falhar em fazer isso é falhar como ser humano.

Não, traumas não criam caráter, pelo contrário, eles atrapalham e às vezes até impedem a pessoa de alcançar suas potencialidades.

Uma pessoa ruim é uma pessoa muito poderosa.
Porque a gente evoluiu pra temer o ruim, porque a gente precisa sobreviver e a melhor estratégia de sobrevivência é evitar o que faz mal.

Correr do que faz mal.

Não pode bater, não pode gritar e também não pode deixar os outros baterem, não pode deixar os outros gritarem. Não pode.

Será que é sequer possível estar preparado pra tanta responsabilidade?

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

7 anos.

 Antes do último texto, eu fiquei 7 anos sem postar nesse blog.

Tenho ele desde os 12 anos, mas aparentemente aos 17 eu surtei e "guardei" todos os meus textos no orkut, em uma comunidade secreta, que só eu tinha acesso.

Orkut esse que posteriormente foi deletado, me deixando sem acesso a nenhum dos meus antigos textos.

Talvez seja pro melhor, porque segundo eu mesma de 17 anos, há 15 anos atrás, todos os meus textos eram extremamente tristes e depressivos.

O que me fez ter ainda mais vontade de lê-los. Paciência.

Ou não, já que acabei de ler alguns textos de quando eu tinha 17 anos e a vergonha que eu estou sentindo nesse momento é avassaladora. Avassaladora.

Talvez não saber algumas coisas seja melhor.

Talvez esses 7 anos desde a última vez que eu tinha postado aqui realmente vão ficar melhor no esquecimento. Quietinhos lá na deles.

Talvez eu realmente não tivesse nada pra dizer. Por 7 anos.

Ser um adulto é esquisito. Ser jovem era mais, mas não deixa de ser.

Acabei de ler um texto em que eu idolizava uma pessoa que foi muito ruim pra mim. Abusivo, manipulador e cruel, desde que eu nasci.

Negação é um mecanismo de defesa poderosíssimo por um lado e tão inútil, mais que inútil, prejudicial.

Meu estomago está revirado de ter lido o texto. Agora eu li outro e outro.

Eu chamava essa pessoa de "espaço-herói". Herói. Uma das pessoas mais cruéis que já cruzou meu caminho. Ressentido e mau.

Negação...

Li um outro em que eu falava sobre como meu melhor amigo não era mais meu melhor amigo e infelizmente isso não mudou. A mesma sensação de ser dispensável. Tonta.

Será que a amizade tava só na minha cabeça? Vai saber, faz tanto tempo...

Tanto tempo...

Eu escrevia muito sobre meus amigos.

Esses dias perguntaram pro meu irmão se como eu era quando mais nova e ele respondeu "Na verdade essa daí era maior rueira". Eu era mesmo.

Nunca estava em casa, sempre passeando com algum amigo.

Hoje em dia pelo contrário, sempre em casa, mal tenho amigos.

É esquisito porque não aconteceu nada dramático, eu só fui me entendendo melhor.

E melhor... e melhor...

Quando eu era mais jovem eu sentia que eu tinha que ser sociável. Que eu precisava ser normal.

Eu performava o tempo inteiro esse papel de alguém que eu acreditava que merecia ser amado e ter amigos. Aparentemente era da performance mesmo que eles gostavam.

Nesses textos tinham alguns comentários dessa pessoa que eu gostava muito e das últimas 10 vezes que tentei me reaproximar fui ignorada. Não era de mim que a pessoa gostava, era da minha persona.

Isso poderia me deixar triste, mas é libertador entender que eu não perdi ninguém, eu só nunca tive mesmo. Nenhma dessas pessoas estavam interessadas no meu coração, elas gostavam da performance.

E eu cansei de performar.