sábado, 18 de janeiro de 2025

Laísa

 Laísa era uma pessoa problemática.

Tinha nascido com o cérebro diferente, em circunstâncias longe de ideais e em uma família gigantesca.

Eram 10 tios e 14 tias. Muitas opiniões.

A mãe de Laísa não tinha voz pra contestar nenhum desses milhares de irmãos, ouvia tudo em silêncio, concordava com tudo.

O pai dela mesmo que quisesse ter alguma opinião, não seria ouvido.

Quando Laísa estava crescendo ela percebeu que a melhor maneira de não ser maltratada era tentando agradar cada uma dessas pessoas. Esses tios e tias e seus milhares de filhos.

Mas como ela poderia agradar todas essas pessoas sendo que cada uma delas gostava de uma coisa diferente? Não era bem assim.

A maioria delas só fazia de tudo pra ser bem visto também pelas outras pessoas, porque a verdade é que quando você não era bem quisto a vida virava uma tortura.

Tantas opiniões.

Mas a gente sabe que não importa o que a gente faça sempre vai ter quem não goste da gente.

E abuso nesse ambiente não só era tolerado, como era tido como motivo de risada.

Agora não vou rir de ser espancada? Magina, quem sou eu, uma fraca?

Tudo é engraçado. E todos são tão liberais.

Exceto quando o assunto é liberdade.

Aí não pode ser gay, gordo, puta, não pode não fazer faculdade, ser neurodiverso, não pode ser preto ou aparentar ser qualquer coisa indesejada.

Pobre todos eles são, mas tem que fingir que não.

E pode roubar também, um do outro.

Empresta milhares de reais pro herdeiro e fica tranquila que ele não vai te pagar.

Ajuda a mentirosa que 20 anos depois continua perseguindo e tentando achar justificativas sobrenaturais pra coisa mais normal do universo: ser abandonada porque se é insuportável.

Imagina alguém que nunca pensou um dia da prórpia vida que podia estar errada, é ela.

Mas com certeza foi macumba. Porque ela achou trabalhos na encruzilhada.

Vai lá numa religião que não te cabe perguntar do seu abandono, extremamente respeitoso.

O alcolatra que conta sobre o alcolatra pior que ele pra parecer menos mal.

A mimadinha que quer acusar os outros de terem tudo.

A que só sabe pensar na herança da matriarca acusando os outros de roubo.

Braço curto.

Zero ajuda.

Na hora de reclamar a linguinha tá sempre pronta, mas fazer uma companhia pra velhinha?

Ela tem que lavar a louça. Dos filhos de quase 40 anos dela.

Ela é muito ocupada, tem que lavar a louça.

Laísa a vida inteira tentou passar pano, entender a perspectiva de cada uma dessas milhares de pessoas.

Ah, mas esse passou por isso, aquele passou por aquilo.

Mas não interessava o que ela estivesse passando o julgamento era sempre cruel. Radical, inaceitável. Abuso psicológico mesmo.

Era tão difícil que por anos ela simplesmente dissociava. Estava lá, mas não estava lá.

A mais profunda e completa negação. Achava até que tinha uma "família unida".

Fazia de tudo pra não perceber as crueldades e se percebia, esquecia em seguida.

Superpoderes do cérebro neurodivergente.

E com seus amigos fazia igual, fingia que era uma garota nada problemática.

Era uma pessoa sempre fazendo gracinha e nunca discutindo as coisas horríveis que ela passava, a maioria dos amigos dela não fazia ideia de quão desestruturada foi sua criação.

Aliás todos.

O melhor amigo dela a via como alguém normal. Esquisita, mas por opção. Normal.

Quando ela cresceu e começou a tomar decisões questionáveis na vida, nenhum dos amigos dela entendeu.

Mas você sempre foi tão isso e aquilo e aquilo outro. Tudo que ela queria que achassem dela, zero realidade.

A máscara tão pesada que ela simplesmente não sabia se nenhum dos amigos dela chegaram a amar ela de verdade. Sabia sim. Não dá pra amar quem a gente não conhece.

Ela cresceu e ficou completamente sozinha. Ainda passando por todos os abusos de quem veio de uma Grande Família. Tudo muito engraçado.

E não interessa nem quem ela é ou deixa de ser, porque no caso da Laísa a marginalização veio de berço.