domingo, 22 de setembro de 2024

Autismo

 Esses dias fui diagnosticada com autismo moderado.

Não leve, nem severo. Moderado.

No meio do espectro.

Agora, com 32 anos, eu tinha alguma desconfiança de que eu sou neurodiversa, mas depois do diagnóstico me senti validada. Finalmente.

Finalmente deu pra entender porquê eu não entendia nada dessa vida.

É engraçado que enquanto criança e adolescente, eu não fazia ideia da minha neurodivergência, porque meus pais nunca me trataram como se tivesse algo errado comigo, pelo contrário, eles me trataram como se a minha diferença me fizesse especial. Única.

Meus pais... Até há pouco tempo atrás eu não tinha ideia da sorte que eu tive de nascer com esses pais.

Mas isso é assunto pra um próximo texto.

Hoje eu quero falar sobre o peso que foi tirado das minha costas ao entender que eu não inventei "ser esquisita", eu não estava "tentando chamar atenção".

Meu cérebro só funciona de um jeito diferente.

Diferente do cérebro neurotípico e diferente do cérebro autista masculino.

Acho que até por isso foi tão tardio meu diagnóstico, eu simplesmente não tinha nenhuma referência do que era ser uma mulher autista.

Absolutamente nenhuma representação em nenhum dos milhares de filmes, livros e séries que eu consumi ao longo da minha vida. Nada.

Como se a gente realmente não existisse.

Deve ser difícil conviver com uma mulher que não sente vergonha.
Eu não sinto vergonha quase nunca.

Às vezes que eu senti foram tão atípicas que eu lembro da maioria delas até hoje.

Outra coisa que acho que contribuiu pro meu diagnóstico tardio foi minha inteligência.

Minha adaptabilidade. Coisas excelentes pra um cérebro neurotípico, não tão boas assim pra um cérebro neurodiverso não diagnosticado. Fica mais difícil de "perceber".

Depois de um tempo eu tentei conversar com meus pais sobre provavelmente ter autismo e os dois ficaram meio ressabiados, "Será, filha? Eu não consigo ver".

E eu entendo completamente. Até eu demorei mais de 30 anos pra ver.

Depois do diagnóstico eles ficaram orgulhosos 

"Tá vendo filha? Você conseguiu conquistar tudo que as outras pessoas conseguiram mesmo tendo um cérebro diferente". Era o que eu queria ter ouvido.

Mas por acaso eles falaram exatamente a mesma coisa de se sentirem orgulhosos (em ocasiões diferentes, meus pais são divorciados), mas acho que o termo que eles usaram não foi bem "diferente", foi mais algo como "deficiente". E de novo, eu entendo completamente.

É assim que o cérebro autista é retratado por aí, como um cérebro deficiente.

Mas eu não acho que isso seja verdade. Eu acho que o cérebro autista é incrível e eu não trocaria de vida com ninguém nesse mundo. Eu amo a pessoa que eu sou não apesar do meu autismo, mas por causa dele.

Esses dias estava fazendo uma live e comentei que tinha acabado de receber meu diagnóstico e um rapaz falou assim "Mas você acredita nisso? Porque hoje em dia todo mundo é autista".

E é tipo o que fizeram com nós lgbtqia+ ao longo dos anos.

"Porque agora todo mundo é gay".

Não, não é agora. Nós sempre fomos.

Sempre fomos autistas, sempre fomos gays. A gente sempre existiu.

Vocês só tentavam esconder nossas existências. Não mais.

É tipo quando alguém vai falar bem do Einstein e dizem que ele era um brilhante cientista alemão, mas quando querem criticar de repente ele vira um cientista judeu.

Quando bem sucedidos no passado, os neurotípicos da época "perdoavam" nossa gayzice, chamavam nosso autismo de "excentricidade". Mas quando errávamos de repente éramos sapatonas e retardados.

Hoje em dia "não pega bem" ser abertamente assim, mas a quantidade de gente ruim enrustida continua estarrecedora.

Esses dias tava vendo um tiktok em que uma mulher falava alguma coisa sobre gordos, falando que ela não gostava mesmo e era direito dela.

A quantidade de comentários rindo e dizendo que "já que eu não posso falar, você fala por mim" foi insana. Insana.

Digo insana porque não tem sentido lógico odiar ninguém por ser diferente. O mundo só funciona por conta das nossas diferenças.

Imagina que pesadelo um mundo só de neurotípicos? Nem eles iam querer viver nele.

Mas tudo que é difícil de compreender fica guardado para os sensíveis, os delicados, as pessoas que genuinamente tem um coração aberto e amoroso. 

E não pensem que esse texto é uma maneira de colocar pessoas neurotípicas pra baixo, Deus me livre, não tenho preconceito nenhum. Tenho até amigos que são.