sábado, 21 de dezembro de 2024

Sonho.

 Hoje eu sonhei com essas grandes torres em que todas as pessoas privilegiadas do mundo moravam juntas.

Teoricamente só existia paz e riqueza.

Mas como qualquer coisa que parece boa demais pra ser verdade, era.

Em algum momento do sonho eu descobria que só algumas pessoas tinham acesso a alguns andares das torres, andares com restaurantes, por exemplo.

Depois de investigar um pouco mais eu descobria que fora das torres existiam várias pessoas que viviam na miséria, sujeira e fome.

Ao conversar com algumas dessas pessoas descobri que o lema das torres que era algo como "Paz e felicidade para todos", no começo era algo muito mais obscuro, avisando que "Crianças más vão pro forno".

E a gente sabe que se de repente existe um poder que pode decidir que criança é má ou boa, esse poder é absoluto.

No meu sonho todos os dias dezenas de crianças eram queimadas juntas num forno debaixo das torres.

Crianças que os professores consideravam burras ou desobedientes, que algum adulto denunciava.

O que significava que no começo das torres, todo mundo vivia em vigilância constante com medo de ter seus filhos queimados.

Acontece que depois que isso deixou de ser um costume a vigilância constante continuou existindo.

Apesar das pessoas não saberem da verdade, existia um clima no ar que deixava claro que algo não estava certo. Sem contar o fato de que algumas famílias desapareciam do convívio social e quando alguém questionava as respostas eram vagas "ouvi dizer que eles mudaram de torre", "mas pra onde eles foram?", "não sei, só ouvi dizer que eles mudaram de torre", "eles não avisaram ninguém?", "Não...".

E a mudança de torre, no final das contas fui saber, era expulsão.

As pessoas que questionavam muito ou que de repente pareciam não fazer mais parte de alguma forma, seja por alguma excentricidade ou mudança de hábitos eram jogadas nas ruas.

Enquanto eu descobria tudo isso ficava morrendo de medo, porque afinal de contas, eu também morava nas torres.

E agora tinha descoberto isso.

E descoberto que alguns níveis das torres eram inacessíveis para a maioria dos residentes.

E agora tinham descoberto que eu sabia...

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Gratidão e amor


"Ferdi?"
Levantei os olhos e por um segundo tinha certeza que estava reecontrando uma amiga.
"Oi".
Os olhinhos dela estavam tão brilhantes. 
Parecia que ela estava vendo alguém que ela gostava muito.
"Ferdi, eu assisto seus vídeos desde 2010. Lembro de te assistir adolescente".
A doçura do sorriso, dei um abraço nela.
Fazia um tempo que não encontrava nas ruas alguém que lembrava assim de mim, com carinho. 
Foi tão especial sentir que uma parte de mim já era conectada a essa pessoa que eu acabei de conhecer.
Relações parassociais são tão importantes pra mim, foi tão legal ver que há tantos anos nós somos amigas, eu só não sabia ainda. Assim como eu tenho milhares de amigos que nunca me conheceram.
É estranho explicar, mas quando eu venho aqui falar pro mundo, pra qualquer pessoa que quiser ouvir, eu tô mesmo abrindo meu coração pra quem quer que queira me corresponder.
Quando a gente fala de números e engajamento fica parecendo que a vida aqui é matemática e mensurável.
Mas não é verdade.
Quando você realmente consegue se conectar com uma pessoa, através de uma tela, é uma coisa muito bonita, divina e mágica.
Cada pessoa que já dedicou um segundo do seu tempo e atenção ao meu conteúdo, com tanta gente maravilhosa e interessante por aí pra gente ver, tem uma partezinha do meu coração.
Brega e emocionada, eu sei.
Mas eu sou assim mesmo, meio brega, totalmente emocional e eu gosto de ser assim.
Encontros como esse tem a capacidade de me deixar feliz e extremamente agradecida por viver por meses, anos, pra sempre.
Eu lembro de toda pessoa que já me encontrou e me olhou com olhinhos genuínos de carinho.
É uma sensação muito especial.
E eu não sou descolada, eu me importo pra caramba.
E sou muito feliz por ter tantos amigos que fazem parte da minha vida de tantos jeitos pouco convencionais.
Obrigada por tudo.
Eu amo vocês.

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Dispensável.

 Eu deveria me impressionar com o resultado das eleições americanas, mas não me impressiono mais.

Trabalhar com o que eu trabalho é estar exposta as mais diversas facetas humanas.

E mesmo eu, que tenho muita e muita sorte, já sabia.

Já sabia que para os caras que votaram nesse homem votaram porque, pra eles era uma questão de se sentir necessário.

A realidade é:

Mulheres não precisam de homens.

Mulheres não obedecem homens.

Mulheres não são tão dramáticas quanto homens.

Mulheres entendem cada dia mais que se relacionar com um homem pode significar companheirismo ou prisão.

Amor ou sobrecarga.

Carinho ou violência.

E pra que se arriscar se você consegue se suprir com tudo que você precisa?

Homens não são mais necessários. Eles são opcionais na vida de uma mulher.

Mais do que nunca.

E se eles não são mais necessários, se eles são dispensáveis, agora eles não podem mais agir como bem entender e saber que suas esposas vão ter que aceitar caladas qualquer deslealdade, violência ou violação porque não tem pra onde ir.

E é aí que entra a extrema direita.

Os líderes de direita querem convencer o homem que a realidade não existe.

Que mulheres sempre vão depender deles.

Que eles são insubstituíveis e necessários.

Que sem um homem a criança cresce fraca (em paz, no caso).

Que sem um homem quem vai trocar o pneu da mulher (kkkk).

Que sem um homem como que teríamos hierarquias arbitrárias? (não teríamos).

A gente precisa do homem pra "por as coisas em ordem".

Qual ordem?

A ordem onde incompetência é esquecida, contanto que você seja amigo do dono.

A ordem onde tem gente que não sabe mais como gastar dinheiro e tem gente que tá há 3 dias sem comer.

A ordem onde abuso é tolerado como normal.

A ordem em que todo mundo está enlouquecendo e deprimido.

A família tradicional brasileira.

Um homem que não lava a própria cueca, é alcolatra, não sabe o nome de um amigo dos filhos, mal sabe a idade deles. Traí a esposa, é agressivo, incompetente e amargo.

Dá piti e grita com a criança sobre como isso é ou não é "coisa de homem", "coisa de mulher direita".

Um homem "de família" que mal sabe tomar banho direito.

Meninos frustrados porque nenhuma menina quer transar com eles.

Elas não estão mais dispostas a passar pelo absurdo que sempre foi considerado normal.

Deslealdade, sabotagem, maldade e inveja.

Homens e meninos sempre puderam ser versões horríveis deles sem perder absolutamente nada.

Mas o tempo é implacável.

E eles querem voltar no tempo.

Mas não tem como. E é isso.

Homens são dispensáveis e portanto perderam seu poder.

Quer eles queiram, quer não.




domingo, 3 de novembro de 2024

Amigo de infância.

 Naquele banco, daquele parque, aquele dia.

Era verão, mas não estava quente demais.

Batia uma brisa leve e os pinheiros se mexiam bonitos, lá no alto.

Naquela época ainda tinham árvores naquela esquina, era bonito.

Eu nunca imaginei que logo ele ia me dar atenção, virar meu amigo, mas virou.

A gente conversava bastante, não faço ideia sobre o quê.

Mensagens e mais mensagens.

Depois começamos a sair pra passear e passávamos horas conversando.

Eu amava conversar com ele, amava passar tempo com ele.

Ele ria das minhas piadas e eu sentia que não precisava fingir que fazia parte de uma subcultura pra ele me achar legal, sei lá, a gente só se achava legal.

Gostava de fazer coisas com ele, até umas coisas nada a ver, tipo andar por uma loja de materiais de construção que ficava na esquina da rua dele.

Aliás, tinha isso também, a gente morava no mesmo bairro.

Ele conhecia um monte de gente que eu conhecia também, estudou nas mesmas escolas que eu, teve os mesmos professores e aprendeu coisas parecidas, acho que ele me entendia melhor por morar ali, porque acho que a geografia faz diferença quando a gente conhece alguém.

Passaram anos tranquilos de amizade, ele às vezes me fazia perguntas estranhas e às vezes ele me frustrava muito, mas eu sempre coloquei ele num pedestal.

Porque parte da minha vida foi pra sempre alterada porque ele era meu amigo.

Isso faz muitos e muitos anos.

Éramos crianças quando nos conhecemos, faz mais de 21 anos.

Eu sempre associei a melhora da minha autoestima ao nascimento do meu irmão, porque ele sempre foi um irmão muito bom, muito especial e que me ajudou muito a entender que tinha espaço pra mim no mundo.

Mas esses dias na terapia eu tava lembrando e eu conheci esse amigo um ano antes do meu irmão nascer, ele talvez tenha até me ajudado a ter a coragem de pressionar meus pais pelo meu irmão, porque eu queria um irmão mais que tudo, eu odiava ser filha única e eu e meu pai infernizamos minha mãe pra ela ter meu irmão.

E quando meu irmão nasceu minha vida melhorou absurdamente.

E também depois que ele virou meu amigo.

Ele me tratava bem, como se eu fosse uma pessoa digna de ser tratada bem, como se xingar e humilhar seus amigos não fosse uma coisa normal.

Ele nunca me xingava, nem me humilhava. Eu lembro tão vividamente do sorriso dele.

E é engraçado porque ao longo dos anos ele teve o cabelo raspado, curto, médio, longo e em todos eles eu lembro dele me tratando como um ser humano digno de afeição e sorrindo.

Faz mais de 6 anos que eu não falo com esse amigo.

Dos 17 aos 21 também fiquei sem falar com ele, depois voltamos a nos falar.

Esses dias eu tentei entrar em contato com ele, mas ele não respondeu.

Antigamente eu teria ficado completamente arrasada, mas hoje em dia eu entendo que aquele meu amigo nem existe mais. Ele é outra pessoa agora.

Uma pessoa que eu adoraria ser amiga ainda assim, mas não é o meu mesmo amigo, é outro, aquele nem existe mais. E por acaso o de agora não quer mais ser meu amigo.

E eu entendo, eu não sou uma pessoa fácil de conviver.

Infelizmente eu não lembro direito porque a gente parou de se falar, porque quando isso aconteceu eu estava no meio de uma crise mental muito severa e estava desassociando muito.

Tinha acabado de tentar parar de existir.

Quando isso aconteceu eu achei que ia ver ele, mas ele não apareceu.

Do nosso afastamento eu só lembro que em algum momento ele disse que eu estava falando que nem uma bolsonarista e conhecendo meu amigo e eu, aquilo era uma das piores coisas que poderiam ser ditas, então ele devia estar muito bravo e cansado. O cara tinha acabado de se eleger, o que teve um peso significativo no começo da minha crise.

Eu era jovem e tola, hoje em dia jamais deixaria um fascista me destruir daquele jeito, mas na época eu não sabia melhor. Eu surtei. Enfim...

Quatro anos depois, na eleição do meu velhinho bonito, na fila da votação eu vi meu amigo de novo, mas dessa vez eu nem sei se ele me viu, acho que sim porque estávamos muito perto, mas ele não me deu oi, nada, como se fossemos completos estranhos, como se não tivéssemos nos conhecido crianças e crescido juntos e passado por várias coisas.

Talvez eu que tenha romantizado essa amizade e pra ele não teve o mesmo significado que teve pra mim. Talvez ele mal se lembre.

Sei lá.

Esses dias meu irmão tava falando sobre como eu costumava ser, nas palavras dele "maior rueira" e isso me fez pensar em todos meus amigos perdidos e todas as socializações que deixaram de existir e o quanto boa parte daqueles amigos não gostavam de fato de mim, mas sim da versão que eu tentava encenar pra eles. Na psicologia se fala em mascarar.

Na época eu não sabia que era autista, mas instintivamente sabia que meu jeito não era muito legal de se conviver, na minha família meus primos mais velhos me maltratavam muito, me chamavam de irritante, me batiam, humilhavam minha aparência, até os que eu achava que eram meus amigos, então eu sabia que ser eu mesma não era a melhor das opções.

Mas quando eu conheci esse amigo em questão era nova demais pra perceber que o jeito como me tratavam era ruim e errado, então desde o começo fui totalmente eu mesma com ele e ele gostou de mim mesmo assim.

Acho que por isso quando eu recebi meu diagnóstico tentei me reaproximar dele, fiquei com saudade de conviver com alguém que não era da minha família, não tinha obrigação nenhuma de me tratar bem e ainda assim tratava.

Mas a gente cresce, muda, se desenvolve e hoje em dia eu não sou mais aquela menina que era amiga dele e nem ele é aquele menino que era meu amigo.

Somos completos estranhos vivendo vidas completamente separadas.



Eu não quis dizer isso.

Eu só falei isso porque tava bravo.

Eu só disse isso porque você me irritou.

Mas é que você tinha me ofendido primeiro.

Ele nunca realmente queria dizer aquilo, ele só falava porque estava nervoso.

Burra, gorda, fracassada, viciada, não tem onde cair morta, coitada, nojenta, repulsiva, preguiçosa, folgada, narcisista, egocêntrica, hipopotamo, "você não é tão inteligente quanto você pensa" etc

Mas nada daquilo era verdade.

Na verdade ele me achava uma pessoa muito foda.

Na real, real mesmo, ele me amava e me achava incrível.

Ele falava bem mais que me achava incrível e linda e legal e inteligente e brilhante do que essas outras coisas que ele dizia quando estava muito chateado.

Quando ele sentia que eu não estava escutando ele.

Eu também não era nenhuma santa e falava coisas feias. 

Que ele tava sendo burro, patético. Jogava na cara os erros que ele tinha cometido.

Às vezes umas coisas que tinham acontecido há muitos anos atrás.

Às vezes coisas que pareciam que tinham acontecido ontem.

Eu tava sempre nervosa e me sentindo atacada.

"Eu só quero que você melhore, você está doente".

E eu tava mesmo, acabada. Nem me reconhecia mais.

Eu ia no médico, pedia ajuda, fazia exames, tomava vitaminas, me alimentava direito, ia na academia, cultivava bons pensamentos. Mas não adiantava.

Parecia que eu tava doente na alma.

Parecia que aquela mulher amarga que tava sempre por perto enquanto eu crescia tava sentada nos meus ombros, que nem aquele filme de terror. 

Parecia que ela guiava meus passos e pensamentos. 

Amarga, cruel, nunca questionando por um momento se estava errada.

"É seu fígado, quando o fígado fica assim a gente fica colérico".

E isso me dava ainda mais raiva.

O que você quer de mim?!?!?!

"Que você fique bem".

Mas quando você fala assim comigo nem dá vontade de ficar bem.

"Eu não quis dizer isso, só fiquei magoado".

E o que será que é ficar bem?



segunda-feira, 28 de outubro de 2024