sexta-feira, 18 de novembro de 2016

7 horas da manhã.

Acordei.
Um frio na espinha e dor na cabeça.
Responsabilidades.
É difícil não concordar ou querer fazer parte do mundo em que você nasceu.
É difícil porque você tenta se adequar o tempo todo, mas nunca é suficiente.
Você nunca fica adequada, você no máximo finge alegria e depois passa horas rolando na cama e puxando os cabelos.
Os adolescentes estão sempre repetindo que não pediram pra nascer, mas eles também não podem se matar.
Poder poderiam, mas e minha mãe, meu amor, meu pai, meu irmão, minha tia, minha avó, meu avô, eles também não pediram pra passar por esse tipo de desgosto.
Eu obriguei eles a me amarem, você obrigou eles a te amarem e por isso não pode ir embora assim.
E a vida sempre pode melhorar, é o que te dizem.
Amanhã você pode arranjar uma coisa que ama fazer e ganhar dinheiro com isso e pronto, a vida faz sentido de novo.
Só que nunca fez e nunca vai fazer.
Não é esse o problema.
Não é porque você vive numa bolha de conforto e proteção que você não vê ou entende o que se passa com o mundo.
E você, que vive nessa bolha, se sente assim, triste, doente, amargurada, ansiosa e com vontade de morrer, imagina qualquer outra pessoa.
Imagina a tortura que é a existência pra alguém que além de tudo não tem conforto, não tem proteção, é visto pela polícia como ameaça, ou pelas famílias como um desgosto, ou pelos homens como alguém de menor valor, ou pelos humanos como puro instrumento de satisfação da gula.
Imagina você, você que não sofre de fato a dor na carne, sua dor é na cabeça, sua dor é espiritual e ainda assim ela dói tanto.
Às vezes eu paro o meu dia pra imaginar o que que seria um enforcamento.
Tudo isso por causa de uma conta pra pagar?
Tudo isso por causa de um mundo que privilegia o mau?
Tudo isso porque, cada dia mais, o mundo parece anestesiado?
A arte é só entretenimento e quando é de fato arte, ninguém para pra prestar atenção.
E se para, logo volta, porque a arte tá aí pra te fazer enxergar e refletir e tudo é tão destruído e errado, que não dá pra culpar a população por querer nem saber.
Cerveja, balada, selfie, pool party, drogas, consumo.
Qualquer coisa que te tire da cabeça a insignificância da sua existência, porque é isso.
Você vai acordar e sofrer cada dia da sua vida e pra nada.
Ninguém vai lembrar de você 10 anos depois da sua morte.
Ninguém vai citar seu nome.
A não ser que você tenha sido algum tipo de celebridade, aí sim vão lembrar de você, por mais 50 ou 60 anos e depois também você vai ficar no vazio, no limbo do nada, porque não existe nada, não existe propósito, não existe porquê.
Você poderia muito bem ser o robôzinho, do Rick and Morty, cujo o propósito da vida é passar manteiga e nada mais.
"Oh my good", com as mãozinhas pra cima.
Sua desilusão não torna as coisas melhores.
Então é melhor você aproveitar o hedonismo, quando for possível.
E poder, na verdade, é só o seu ego.


Desenho que eu fiz ontem, sobre o desalento de hoje




domingo, 16 de outubro de 2016

Estudar é uma constante.

Ou deveria ser.
Todo dia aprender algo novo, algos novos.
É triste que seja tão possível viver uma vida sem curiosidade.
Você nasce, cresce, vai pra escola e enquanto é desenho e massinha você adora, mas de repente tiram isso de você.
As matérias que começam a te apresentar desconsideram inteiramente a possibilidade de existir algum artista entre tantas crianças.
O conhecimento.
O conhecimento fica lá, como um estorvo.
O professor tratado como alguém desagradabilíssimo, ganhando mal, sendo ameaçado, não tendo voz, valor ou qualquer possibilidade de se defender.
Desconsidera-se também completamente o melhor método de aprendizado pra cada aluno, as classes são separadas de maneira aleatória, nenhum teste ou conversa pra saber quais alunos aprendem igual, quais alunos teriam mais afinidades, quais alunos poderiam se ajudar. Não.
A escola é uma competição.
Seja competindo pra ver quem é o mais inteligente e tira as melhores notas, seja competindo pra ver quem é o mais burro e tira as piores notas, seja pra competindo pra ver quem mais socializa.
O aprendizado vira outra coisa.
"Quem faz a escola é o aluno" e de fato, o universo está pronto pra te ensinar tudo que você quiser, não tivesse a sua curiosidade sido assassinada pela escola nos termos que ela existe nesse momento.
O interesse em aprender precisa estar necessariamente vinculado a ganhar dinheiro, se não estiver "pra que você gasta tanto tempo com (insira aqui uma atividade que te faz compreender o mundo mil vezes melhor, porém não enche automaticamente o seu bolso de dinheiro)".
"Mas tantas pessoas sérias, nas universidades".
Tanta criança branca, rica, de escola particular nas universidades.
E ainda assim, quando as crianças pobres começam a engatar nas universidades não só são acusadas de despreparo como, em seguida, são expulsas do seu lugar conquistado por um golpe de estado.
E as pessoas desse país foram tão bem educadas que acham isso uma boa ideia.
A apreciação pelo que te faz sentir parte de uma coisa maior, entender o quanto a natureza e você são uma coisa só, os processos que fazem as pessoas serem elas mesmas, descobrir novos músicos, novos pintores, escultores, toda espécie de criação, entender processos científicos que mudam nossa vida todo dia, desafiar sua inteligência. Não.
E sabe por quê?
Porque o mundo é uma competição e só um tipo de inteligência é valorizado.
Ganhar dinheiro.
Pode trapacear, pode passar por cima do "amigo", tá ganhando dinheiro?
"Esperto é ele".
E a gente segue assim, nessa depressão e vontade de morrer constantes, em um mundo onde a curiosidade além do necessário é completamente desestimulada.



quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Numa cama.

Nós somos uma geração que vive meio mal porque nossos pais não se preocuparam o suficiente com as fachadas de suas lojas.
Nos deram a internet e com ela a realidade da vida de quem tinha pai com fachada de loja estética.
Como se a perfeição estética pudesse de alguma maneira compensar o rombo emocional que é, por si só, viver nesse mundo.
Como se os abusos doessem menos se o chão fosse de madeira.
Como se os ricos fossem de fato felizes.
"Dá para serem", ele me disse.
Dá. Qualquer coisa de fato dá.
Se você desejar com o fundo do seu coração um dia você vai acordar em uma mansão com o amor da sua vida do lado.
Mas você tem que desejar todo dia, toda hora, o tempo inteiro, sua vida empenhada em viver em algo que não existe.
Mais uma refeição meia boca.
Mais inspiração jogada fora.
Mais uma cadeira desconfortável.
Você quer anotar, mas não anda mais com um caderno, não acha que nada importante vai sair de dentro de você de novo porque você não se obrigou, não se forçou, não submeteu ou suportou, não, você fez questão de passar os últimos dois anos do jeito mais confortável possível.
Sem situações constrangedoras, sem amigos de amigos, sem estranhos no bar.
Só você e alguém igualmente confortável, igualmente confortante, igualmente calmo, igualmente calmante.
Agora todo mundo que você conhecia não te conhece mais e você nem lembra como era antes.
Só que não era muito bom.
Era vazio, triste, parecia que estava sempre escuro e assustador.
Eu não sei sobreviver a esse tipo de situação, mas é como se você descobrisse a fórmula e, a partir de então, pudesse finalmente dormir e descansar.
Numa cama king size.


terça-feira, 27 de setembro de 2016

Pecado.

Só tinham uma concessão quanto a minha liberdade.
Todo dia, 7 horas da manhã, eu teria que acordar com o barulho de alguém martelando alguma coisa com intervalos de 3 ou 4 minutos, pra eu achar que ia conseguir voltar a dormir, mas nunca dava.
Esse resto da minha "sentença" era pra continuar me torturando sem que eu pudesse dizer pra ninguém que estava sendo torturada.
"Todo dia acordo com marteladas".
"Sim, reforma é foda".
Não era isso o que eu queria dizer, mas ninguém me entendia.
Mudei de casa 8 vezes em 1 ano e ainda assim as marteladas estavam lá, todo dia, 7h da manhã.
Tentei explicar pra um psiquiatra sobre as torturas que eu tinha sofrido e como mesmo mais de um ano depois aqueles malditos ainda se davam ao trabalho de fazer isso comigo todo dia.
É claro que não acreditaram em mim.
E não deve ter ajudado eu falar que queria que os pregos estivessem sendo martelados na carne de alguém, mas não na mão, que nem Jesus, nas coxas, na parte interna das coxas.
Isso não deve ter ajudado.
O que eu me lembro depois disso é que as marteladas não paravam mesmo no hospital.
Que inferno de hospital é esse que começa obra 7 horas da manhã?
Não paravam. Mas eu sabia.
Eu sabia, eu sabia que aqueles homens eram poderosos.
Algum tipo de poder eles tinham que ter, pra arrastar alguém de uma clínica e ninguém ver, ninguém fazer nada.
E depois me manter em cárcere tanto tempo, torturando, mandando eu rezar ajoelhada no milho, dando chicotadas em mim, me fazendo usar uma cinta com chave, puxando o meu cabelo, me deixando passar fome, falando que Jesus tinha morrido na cruz pra perdoar meus pecados e eu "fazer uma coisa dessas".
Mas eu não tive opção, mãezinha. Ele me pegou pela mão, ele dançou comigo e disse que me amava, mãezinha.
A senhora falava tanto do seu amor com o pai que eu quis um igual.
Eu não sabia que era nova demais, não sabia que não era coisa que se fizesse.
Ele me amava, mãe, nunca me abandonou.
Que nem o pai nunca te abandonou. Foram os homens.
Diziam que o pai tinha nos abandonado, mas a senhora não queria saber de uma coisa dessas, tinha abandonado nada, esses mesmos homens que me torturaram é que pegaram o paizinho e fizeram maldade com ele, não é isso?
É isso, mãezinha, olha pra mim. OLHA!
Desculpa falar dessas coisas, é que eu sinto falta da minha mãezinha.
Ela não gosta mais de mim. Não gosta.
Ela não gosta de mim agora, acho que os homens também falaram mal de mim pra ela.

domingo, 18 de setembro de 2016

Marlene Tinha Dois Filhos

Isso poderia fazer alguém pensar que, por ter apenas dois, Marlene seria melhor mãe que as outras.
As outras eram todas as mulheres que tiveram mais que dois filhos, as parideiras, as "que não tem televisão em casa", as que "na hora de fazer... quero ver cuidar". E cuidavam muito bem, obrigada.
Diferente de Marlene que, por ter apenas dois, ao invés de amá-los mais, se ressentia.
Como se fosse culpa das crianças todos os abortos espontâneos que Marlene sofrera ao longo dos anos, como se os meninos tivessem ousado sobreviver em ambiente tão hostil quanto o útero de Marlene e, por isso, ela os odiava. Odiava porque ter um, ter dois filhos, te faz pensar que você poderia ter quantos quisesse, mas não foi o que aconteceu.
E como ousavam aqueles dois fedelhos encher uma mulher de esperanças falsas?
Como ousavam iludir assim um coração?
Marlene não os perdoaria nunca.
Todo dia antes de dormir pensava na benção que seria ver os dois mortos.
Finalmente descansar.
O marido com certeza a abandonaria, que outra benção.
Finalmente ela teria todo o tempo do mundo pra ser ela mesma, amarga, triste e cheia de rancor.
Sem ninguém pra atrapalhar com sorrisos.
Bendito o dia que aquelas crianças fossem assassinadas.
Mas...
Não era tão comum assim duas crianças serem assassinadas, eles moravam em um "bairro bom", seguro, era contar demais com a sorte achar que simples negligência daria conta do recado, não, se ela queria os fedelhos mortos, ela mesma teria que agir.
Não poderia ser nada incriminador, não fazia sentido trocar uma prisão por outra, não.
Tinha que ser algo bem pensado, algo inteligente.
A primeira coisa que ela pensou foi em chamar a atenção de algum golpista, dar a entender que tinha muito dinheiro, parecer distraída perto das crianças, ser uma presa fácil, mas... onde arranjaria alguém disposto a sequestrar e matar crianças?
Infelizmente não é tão fácil achar alguém que esteja disposto a ajudar tanto assim.
"Criança eu não faço".
Ninguém ajuda.
"Dizem pra gente que ser mãe é a melhor coisa do mundo pra isso, agora a gente tem que gastar um tempão pensando como se livrar dessa situação horrível".
Marlene se sentia completamente injustiçada. Mordia as unhas.
"Não é como se eu soubesse que ia nascer só dois dessa minha barriga amaldiçoada, pensei que ia ter vários, um ajudando a cuidar do outro, não isso".
Um dia no parque pensou na solução, convencer as crianças a ir andar de pedalinho sozinhas, na cabeça dela os dois nunca conseguiriam, o problema é que as crianças eram inteligentes e sequer quiseram ir sozinhas pra começo de conversa.
Chegando em casa ela deu uma surra de cinta nos dois, quanto mais eles choravam e perguntavam por quê, mais ela ficava com ódio e mais forte batia.
Quando o marido de Marlene chegou em casa teve que levar as crianças pro hospital.
"Melhor coisa que já aconteceu na minha vida", contava ela.
"Depois daquele dia eu finalmente sou livre. Tudo aqui é bonito. E quando tem crianças são sempre muitas, nunca uma ou duas. Aqui eu fico no jardim e tomo sol todo dia. Ninguém me abraça e pede 'mamãe, mamãe, estamos com fome', não, aqui quem pede a comida sou eu, aqui quem tem uma mãezinha sou eu, eu e não aqueles diabos. Sabia que eles estão mortos? Os dois morreram, graças a Deus, Deus sempre me amou muito, muito, sempre fui muito boa pra ele e ele me recompensou, não é, meu Deusinho?" e continuava indefinidamente dizendo da sorte que teve.
Marlene tinha dois filhos.
Não mais.


quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Darcy

Eu tava aqui depois de uma noite de suor e frio, ainda atordoada pelo estranho ritual que é pra mim acordar, quando ouço chamarem meu nome na janela.
Eu moro no centro da minha cidade, minha família mora há mais ou menos 15 minutos dali, o que torna me chamarem na janela muito pouco usual.
Houve um tempo em que o principal meio de comunicação entre eu e minha família era pela janela mesmo, tempo esse em que vivíamos eu, minha mãe, meu irmão e meu pai num apartamento que dava com a janela pra casa da minha vó, nesse mesmo prédio moravam mais duas tias, na rua de baixo outro tio, na do lado dois primos e, enfim, minha família morava toda na mesma cidade, em bairros muito próximos.
Quer queira, quer não, eu via pelo menos 10 membros da minha família todo dia.
Dentre esses membros, sempre a tia Darcy.
A tia Darcy nasceu debaixo de uma árvore na frente do hospital porque não deu tempo de entrar.
Ela se preocupava com a educação de um jeito que eu raramente vi em outras pessoas, por isso, claro, foi professora de Biologia, minha mãe foi aluna dela e até hoje diz que nunca aprendeu mais.
Além de professora foi também diretora, inclusive da minha escolinha, eu me sentia super protegida, sobrinha da diretora, e por isso até as crianças me tratavam melhor, mas ela nunca fez distinções.
Um dos sonhos da minha tia era ter sido médica, ela tinha toda a vocação, mas os estudos eram caros e desde cedo ela ajudava a família com dinheiro.
Aliás, ajudar com dinheiro é uma coisa que ela fazia pra todo mundo, era você precisar de ajuda que antes de você pedir ela te oferecia.
Sempre gostou de presentear todo mundo, quando eu era pequena ela ia toda semana em uma loja de departamento específica e voltada cheia de roupas, uma pra ela, as outras pra mim, pras minhas primas, primos, tias, ela era realmente generosa.
E amorosa.
E palhaça.
Por exemplo:
Mãe, vó e tia Darcy
A tia Darcy também sempre foi muito elegante, falava francês que aprendeu no colegial e nunca esqueceu, se emocionava com as belezas da vida e me chamava de "Sua Negra", de amor.
É muito surreal pra mim acordar com a notícia que uma das tias mais presentes na minha vida não vai mais estar lá.
Quem vai sentar na ponta da mesa?
Quem vai fazer um monte de salada de maionese gostosa nos churrascos porque eu sou vegetariana?
Quem vai ter o pé do tamanho do meu e trocar sapatos comigo?
Quem vai me confortar quando eu for lá chorando?
Ela tinha me emprestado um livro de botânica esses dias e disse "mas é vai e volta, amo muito esse livro", esse aqui:
E de repente nem vai voltar, minha mãe disse que pode ficar pra mim porque ela deixou tudo que tinha pros sobrinhos.
Pros sobrinhos.
Ela nunca teve filhos e sempre tratou todos nós como se tivesse tido vários.
Nem dá pra descrever o quanto a vida me magoou por tirar a tia Darcy de mim.
Eu sei que as pessoas morrem e a vida continua, mas... eu me sinto injustiçada.
Primeiro a tia Alzira, depois o Marcel, depois a vó, depois a tia Darcy, tudo isso em dois anos e, nossa, odiei. 
Quero voltar aos 7 anos e ter todas as pessoas que eu amo de volta.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Uuel

Nós tínhamos decidido ir pra um país pequeno e pouco comentado da Europa, um lugar que não só a gente não conhecia, como nunca tinha ouvido falar de nenhum dos seus pontos turísticos, só entramos em um avião e desembarcamos por lá.
A primeira impressão que eu tive foi que as flores que davam aqui eram as mesmas que davam lá, mas será isso possível?
Andamos por umas ruas de pedra até encontrarmos uma espécie de restaurante, entramos, fora os trabalhadores, mais ninguém no lugar, o que não era de surpreender, em um país com população estimada de um milhão e duzentos mil habitantes.
Só a minha cidade tem mais gente que isso.
De qualquer maneira, ao entrarmos no restaurante a atmosfera de algum jeito se modificou, algo aconteceu no ar, nada que pudesse ser explicado e por isso ninguém falou nada.
O lugar era muito bonito, os móveis eram majoritariamente de madeira, com bonitas toalhas, um lago cristalino, cheio de natureza e trabalhadores muito muito impacientes, como se eles soubessem de alguma coisa que a gente não sabia, alguma coisa que queria que a gente não estivesse lá, mas não nos disseram nada.
A parte que começa a ficar palpavelmente estranha é a que ao invés de nos encaminhar pra uma mesa, nos levaram pro jardim, pra frente do lago e de alguma maneira nossas bagagens não estavam mais conosco.
Uma das funcionárias começou a me mostrar uma mesa, com uma caixinha cheia de compartimentos, dentro dos compartimentos, pequenos vidrinhos com florzinhas afogadas, tão pequenininho, tão bonito, é como se a moça soubesse que se eu fosse roubar alguma coisa, seriam aqueles frasquinhos, eu tinha um impulso muito forte de querer pegar os frascos, pôr no meu bolso e ficar comigo pra sempre. Assim o fiz.
Imagino que situações semelhantes tenham se apresentado aos meus companheiros de viagem, mas como ficará claro mais pra frente, não tive a oportunidade de perguntar.
Mas é como se eles quisessem provar um ponto, como se dada as devidas circunstâncias, todo mundo era vil.
Em algum momento começaram a aparecer os animais. Animais que não pareciam que deviam estar ali.
Por exemplo um tigre, adulto, como que hipnotizado, apareceu perto do lago, como uma miragem assustadora e linda, solta, bem ameaçadora, pra falar a verdade.
Eventualmente uma televisão do jardim foi ligada e nela cenas de tortura começaram a passar.
"Se você vai acabar fazendo isso com a pessoa, pra quê casou?"
Os funcionários pareciam nos odiar de maneira venal, como se nossa existência perturbasse a ordem de tudo.
O lago começou a ficar esverdeado, nojento, as árvores espontaneamente começaram a cair.
Nos levaram pra dentro do restaurante e quando parecia que finalmente tudo ia se normalizar eu notei alguns gatinhos debaixo da mesa, eu, que amo gatinhos e tenho três deles, disse: "Que lindos, são de vocês?" no que um dos funcionários me respondeu: "Não, não temos gatos nessa região, mas eles sempre aparecem quando precisar avisar do perigo, eles vêm de onde quer que seja pra avisar, se você, por exemplo..."
Entendi imediatamente que tinha que voltar para casa e eu só fui, sem bagagem, amigos, só corri em direção do aeroporto com nada mais que minha carteira e passaporte.
Os gatos que estavam debaixo da mesa vieram todos correndo junto de mim, inclusive o tigre, que visto assim, correndo do meu lado, não me apresentava perigo nenhum, só me avisava, como se pressentisse, como se soubesse de alguma coisa que eu ainda




Acordei.



E o nome da cidade em que estava, significa NOVO.

domingo, 14 de agosto de 2016

Quebrado.

Puxei a manga da minha blusa pra ficar com duas "luvas", infantilizações, em momentos assim, me acalmavam.
O que mais que impressionou foi a falta de medo, consideração, hesitação.
"Ela é mais gostosa que você". Quê?
Nós dois estávamos em uma festa de família quando uma criança de quatorze anos me abordou, "Como eu sei se não estou perdendo uma oportunidade?", fiquei confusa com a pergunta, do que diabos ela tava falando?
"É que eu gosto desse menino e acho que ele gosta de mim", que fofa, pensei.
Continuou me contando sobre como ele olhava pra ela e o discurso não parecia coerente, mas eu não estranhei.
Meu marido, um homem de trinta e cinco anos, cansado, volta e meia vinha perto de nós, ficava lá conversando, comigo e com a criança.
"Ela não parece criança, né? Tem um corpão".
A garota devia pesar no máximo trinta e cinco quilos, ela não "tinha um corpão", era uma criança, um bebê, "Que que você tá dizendo?".
"Agora eu tenho que ir, tia", claro, respondi com um sorriso maternal odiando a ideia de ser chamada de tia.
Me distraí com os outros convidados da festa, com o vinho e com alguma bobagem que passava numa televisão de cinquenta polegadas.
Hoje em dia as pessoas gastam tanto com televisão, alguém disse. E tudo que eu consegui pensar é que elas estão sendo monitoradas e nem sabem. Essas smart tvs usam o microfone pra gravar todas suas conversas pessoais, tá no contrato que as pessoas assinam sem ler.
Olhei na direção do banheiro e a criança saiu de lá, acompanhada do meu marido, descabelada, uma criança.
Arrastei ele pro andar de cima e começou ali não só a mais grotesca como mais preocupante das situações. "Eu quero o divórcio porque hoje encontrei o amor da minha vida", a criança? O amor da sua vida é uma pessoa que quando nasceu você já tinha se formado na faculdade?
"Não te interessa".
A menina apareceu no corredor "nós vamos casar, tia".
Era uma pessoa tão pequena que chamava os outros de "tia", pessoas que não eram da família dela.
Eu vou matar você.
Comecei a bater nele, tapa, soco, chute, ele só sorria e dizia "você não pode fazer nada".
O que você tá fazendo é inclusive crime!
"Por ela eu espero". Vou falar com os pais delas já!
Ela não tinha pais. Ela não tinha ninguém.
Uma criança desesperada por carinho, afeto e proteção.
Vem pra casa da tia, eu cuido de você.
Mas era tarde. A criança tava na festa convidada do meu marido, "estamos juntos há seis meses", ela disse. Uma criança.
Eu vou chamar a polícia.
Desci na festa "Não deixa o meu marido e nem a criança saírem, eu vou chamar a polícia".
As pessoas me olharam confusas. "ME ESCUTA, TRANQUEM AS PORTAS".
"Calma, calma, tá tudo bem", minha mãe me abraçou. Calma.
Eu tô calma, só preciso de ajuda.
Preciso de ajuda.
"Filha, você esqueceu de novo?".
O quê, mãe? O que que eu esqueci?
Que o homem que eu amava foi atropelado e morto por uma menina de quatorze anos que pegou o carros dos pais enquanto eles não estavam vendo "pra brincar"? É isso que eu esqueci?
Mas então quem é o homem com aquela criança?

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Dor no joelho.

às vezes vem essa sensação
essa dor
esse "melhor não ir"
eu sei que se eu for amanhã não ando direito
é meu pé
operaram meu pé quando eu tinha 10 anos
aparentemente foi o capitalismo que operou meu pé
Eu não precisava da cirurgia,
mas o médico precisava do dinheiro. Oriehnid, porque dá sorte.
eu não dei nenhuma sorte e quatorze anos depois estou aqui
hoje é no joelho
mais precisamente no joelho esquerdo
agudo, longo, vil
uma adaga funda que roda na sua rótula
é como precisar de muletas, não ter e o mundo te exigir uma maratona
é difícil e triste
não me lembro de alguma vez não ter sentido dor depois de andar mais do que x tempo
desde bebê, dor, dor no pézinho
"é de crescimento"
Não via nenhuma das outras crianças que cresciam sentir tanta dor quanto eu mas vai que.
Não, não era isso
era alguma outra coisa que ninguém quis me ajudar com
preferiram destruir meu pé e eu que me vire agora
eu que me vire
lide com isso
fica em casa hoje.
ok.


quarta-feira, 20 de julho de 2016

Beco do Batman

Segunda-feira eu fui com o Renan, meu noivo, Biel, meu irmão e o Vivente, meu padastro, no Beco do Batman, um ponto turístico aqui da cidade de São Paulo.
O Beco do Batman passou a ser conhecido assim depois do aparecimento de um grafite do Batman nos anos oitenta, alunos de artes plásticas acharam a ideia interessante e começaram a enfeitar as vielas Afonso Gonçalo e Medeiros de Albuquerque com as mais diversas cores e desenhos.
Hoje em dias os grafites são autogeridos, os artistas e moradores do bairro é que cuidam da manutenção da beleza das vielas. Olha só:




























O passeio é muito agradável de fazer, muita coisa bonita pra olhar, mas também muita gente, segunda-feira, às 14h tinham pelo menos 50 pessoas além de nós.
Fiz um vídeo no meu canal a respeito desse passeio, olha só:
  

Nos arredores do bairro também tem muito lugar legal pra conhecer, recomendo!

sábado, 16 de julho de 2016

Cheiro de chuva.

Dizem que vem de uma bactéria.

O cheiro da mudança do tempo eu sempre associei com tudo melhorando.
Cada tempo tem seu cheiro.
Tem cheiro de natal.
Tem cheiro de bruxaria.
Tem cheiro de "devia estar no Porto".
Tem cheiro de quando a gente tá cansado, de quando a gente vai chorar no canto.
Cheiro de cangote de gato, de bebê recém nascido.
É triste como as coisas morrem.
Cheiro de comida quando a gente tá com fome e de doce quando a gente já comeu.

Eventualmente eu tenho umas alergias prolongadas a sabe-se o quê e paro de sentir os cheiros.

Cheiro da praia.
Cheiro de cabelo de cachoeira.

Nada traz umas sensações super pesadas quanto o cheiro, talvez a música.
Tem cheiro de música também.
Quando você sai do banho e passa aquele creminho com cheiro de amor e fica toda se sentindo absolutamente linda por umas 3 horas inteiras.

Você senta pra fazer as coisas e o vento vem te abraçar todo consolador, parece que sabe que você precisa de colo, de ninguém bravo, de carinho e abraço. parece que sabe.

Ultimamente eu tenho achado as comidas todas iguais, é como se eu fosse incapaz de cozinhar além das 5 receitas padrão, uma das quais é miojo.
Parece que até no meu paladar eu tô enlouquecendo.
Vai saber, às vezes tô.

Às vezes eu tô precisando que um gigante me pegue pelo pé e me chacoalhe de cabeça pra baixo.
Acho que seria, no  mínimo, reconfortante. Sem contar a possibilidade de quebrar.
Eu tenho desespero de coisas quebrando, pessoas eu gosto, coisas me desesperam.
Não nasci pra era da obsolência programada.
Não nasci pra era nenhuma.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Outros mundos.

Ajuda que aqui nem sempre seja aqui mesmo.
Ajuda que a gente possa colher ingredientes, transformar em poções, vender tudo pra comprar nossa casa e, quem sabe, adotar uma órfã.
Não ontem, mas vou ler mais a respeito.
Ás vezes, é como se a vida lá fosse mais viva que aqui, sonhei com isso.
Quando as coisas ficam difíceis você pausa e abre outro, agora a história é terrível, bíblica, a mãe que recebe de deus a ordem de matar o filho, mas nesse jogo você ganha, você consegue lutar contra o que te assusta, até gold você consegue acumular.
A alternância de realidades me ajuda a suportar a main quest da vida, pena que aqui eu ainda não achei clairvoyance e o menu do mapa não está abrindo.
Mas o dos outros está e é um alívio.
Um garotinho de fazenda ajuda os vizinhos pela cidade pra ganhar o suficiente pra um presente pra irmã, um bonequinho que conforme supera obstáculos uma música e um arco-íris bonito se formam.
Cada personagem, cada cenário, cada corrida perdida por conta de uma tartaruga azul na linha de chegada, cada fuga daqui permite que eu viva aquelas horas que fugi todas juntas.
Quando eu era pequena eu tinha certeza que era uma bruxa.
Ainda não tinha lido Harry Potter, até porque ele ainda não tinha sido escrito, mas eu jurava que, toda noite, ao invés de dormir, eu entrava em um portal que ficava na árvore da casa da minha avó, tinha um escorregador que levava eu e todas as crianças do mundo pra uma escola, pra diferentes escolas, aprender magia.
Os diretores da escola que eu frequentava era o Zordan e a Carlotinha, eu tinha até um livro de receitas e magia, ganhei do McDonalds, me ensinava tudo, era de onde eu tirava minha lição de casa, passava a tarde inteira, deitada no tapete, com a sombra da Linda (pitangueira já citada nesse texto) incidindo sob o chão, escrevendo feitiços, receitas de poções, qualquer coisa que me permitisse viver longe desse universo.
Universo onde cabe matar 80 pessoas em um dia de comemoração.
Universo onde a representatividade feminina na política é tão pequena que o governo faz propagandas pedindo pras mulheres se candidatarem e ainda assim a gente não se candidata "não vale a pena", ser tão desrespeitada e calada dói bastante.
Universo onde é ok assassinar bilhões de criaturas inocentes e devorar seus cadáveres em nome da gula. E quem se recusa que é ostracizado.
Universo em que vítimas de estupro são chamadas de vagabundas.
Onde é normal invadir o país alheio e matar a população civil, deixar milhares de órfãos, milhares de pessoas partidas em pedaços.
Universo de gente que se acha tão importante que acha que o planeta é seu, aprisionamos baleias pra tirar selfies com elas, separamos mães de seus bebês pra parecermos ricos no insta.
Universo onde filhos tem vergonha do afeto dos pais.
Universo em que pessoas são assassinadas por amarem alguém do mesmo sexo, por terem a pele da cor negra.
Universo em que a hiperssexualização de crianças causa revolta contra a criança.
Em que é normal abandonar animais.  É normal escravizar animais. É normal vender os bebês de animais.
Universo onde o que é considerado bonita é a mulher despida de toda sua força, cadavérica, precisa se mutilar, passar fome pra ser aceita.
Universo em que homem amoroso é humilhado e ofendido.
Universo em que crianças odeiam outras crianças, se juntam pra machucar outras crianças.
Universo em que os absurdos são tão incontáveis que eu vou parar por aqui.
Eu prefiro a fuga.
Eu prefiro meu vídeo-game.


quinta-feira, 14 de julho de 2016

Cada dia mais.

Mais pesado, claustrofóbico e confuso.
Cada dia mais.
Odioso, amargo e doente.
Cada dia mais minguado.
A luz que nunca vai embora cada dia mais apagada.
A noção de que as coisas melhoram cada vez mais distante.
Não é a vida. É a expectativa de vida que projetam em mim e que morre.
É o "mas tem que", é o "de preferência para" é o... você realmente não entendeu?
Eu não vou conseguir ser o que os outros, os outros, os outros.

Quando eu era criança minha brincadeira preferida era fingir que meu avião tinha caído, meu navio naufragado, agora eu estava a deriva, no mar, só eu e meus bichinhos de pelúcia, que eu tentava salvar, era cansativo, ele caiam no mar,  às vezes, eu caia no mar e as ondas, as ondas bravas, mas sempre nós, eu e os bichinhos, eu e mais ninguém, perdidos no mar.
Eu sentia que minhas pelúcias eram plenamente capazes de me ajudar e só elas, quando eu tentava colocar outras crianças nessa brincadeira era inviável, durava dois minutos e já queriam fazer outra coisa.

Tem uma laje na casa da minha avó, dá pra rua e eu gostava de sentar lá, com os pés balançando pra fora, alguns metros acima do chão, pensando na vida, às vezes, cantando, vendo a vida passar...
Os vizinhos achavam que só uma criança retardada passaria tanto tempo olhando o tempo passar, falaram isso pra uma das pessoas que mais cuidou de mim e ela, brava, disse que não, "Não tem nada de errado com a Fernandinha". Mas deve ter sim.

A sensação é que o mundo não me queria aqui tanto quanto eu não queria estar no mundo.
Cada dia mais.

terça-feira, 12 de julho de 2016

Câncer.

A gente só é feliz quando criança.
"Aproveita!", os adultos me diziam e eu pensava "Que bobagem!".
"Quando a gente cresce, os problemas crescem junto".
"É só resolver, ué". Era o que eu realmente pensava, o que esceram de me contar é que, às vezes, o problema é de saúde e simplesmente não pode ser resolvido.
Eu perdi meu primeiro parente próximo quando ainda bem novinha, uns 5 ou 6 anos, não entendi direito o que tinha acontecido e, quando entendi, já tinha me conformado.
A próxima vez que isso aconteceu foi especialmente chocante.
Foi no dia do meu aniversário de 10 anos, minha tia, mãe das primas que eram minhas melhores amigas, morreu sem ar e eu acordei com a notícia.
Até então eu nunca tinha visto meu pai chorar.
Mas minha mãe chorava sempre, foi dela que eu puxei isso, e nos 15 dias após a morte da minha tia ela continuava chorando como se soubesse de alguma coisa.
O meu tio Jânio era um grande amigo meu, irmão da minha mãe, super forte e brincalhão, me levava nas pracinhas no cano da sua bicicleta, fazia alguns anos ele morava na praia com o Cris, meu primo, eles estavam claramente felizes, ele trabalhava como agente carcerário e um dia, voltando pra casa feliz e contente, o ônibus da prisão foi metralhado.
Ele levou um único tiro, na aorta. Contam que com o stress do evento ele só percebeu que estava machucado depois de ajudar todo mundo a descer do ônibus e chamar uma ambulância.
Ele foi a única pessoa desse acidente que morreu.
Isso exatamente 15 dias depois do meu aniversário de 10 anos.
Eu achei que minha família inteira ia morrer, a cada 15 dias morreria um parente por parte de pai, depois de mãe e assim ia até acabarem todas as pessoas que eu amava.
Foram 15 dias de muita agônia, mas logo eu percebi que ia ficar tudo bem.
E ficou mesmo, por uns bons anos ninguém morreu.
Quando eu fiz 15 anos o Alzheimer começou a atacar minha vó, mas todos os médicos diziam que, apesar do Alzheimer, a saúde dela era de ouro. E ela continuava me dando muito amor.
Depois disso eu fiquei uns bons anos tranqüila de novo, nenhuma nova doença na família, nenhuma preocupação muito exasperadora, tudo ok.
Até 2013. 2013 minha tia revolucionária, sempre feliz, casada com o homem mais legal do mundo, o tio que me ajudou a ter todo esse amor por literatura, minha tia esquerdinha, dos saraus, do piano, uma das tias que eu mais gostava, a irmã mais velha da minha mãe, a pessoa que quando ela era bebêzinha chamava de mãe também, do nada, sem mais nem menos, foi diagnosticada com câncer no cérebro.
Ninguém da nossa família nunca tinha tido câncer, por parte de pai sim, mas de mãe? Ninguém.
Eu nem acreditei direito, eu não tive ideia de como lidar com isso, não conseguia prestar um segundo de atenção numa faculdade que eu já não gostava, pra mim não fazia nem sentido o que estava acontecendo, enfim...
Ela morreu depois de 6 meses que descobriram.
E como se não bastasse, um primo meu, o Marcel, 33 anos, filha neném, 0% de gordura corporal, mais forte que um touro; morreu também.
Assim, do nada, alguns meses depois da tia Alzira.
Ele simplesmente sofreu um acidente de carro e deixou de existir.
A mulher dele ficou pedindo ajuda sem sucesso durante horas.
Foi absurdo. 2014.
2015 não foi menos pior, a tia Darcy, a pessoa que eu vi durante quase todos os dias da minha vida, minha vizinha, tia companheira, professora de biologia, diretora das Emeis, uma das pessoas mais generosas e cuidadosas e amorosas que eu conheço: câncer.
Dessa vez, pelo menos, não com uma sentença de morte.
Um câncer no rosto, foi operado, mas ainda agora em 2016 causa um enorme desconforto, ontem ela passou por outra cirurgia, pra tirar mais um nódulo que apareceu, a cirurgia foi um sucesso e eu realmente sei que ela vai se recuperar dessa, mas imagina você passar por isso, ver alguém que você ama passando por isso, a preocupação.
E o Bowie. Mesma doença.
E minha vó. Minha vózinha também foi embora.
Depois de 9 anos com Alzheimer, com toda a saudade dos olhos vivos acumuladas durante todo esse tempo a gente teve que enterrar aquele corpinho tão pequeno, tão fragilzinho, tão despido de vó Sirlei.
Minha vó tinha os olhos muito claros e muito vivos, estava sempre com o cabelinho dourado, todo cacheado, muito bem bonito e arrumado, sempre cheirosa e macia.
Ela cuidava de mim como se fosse minha mãe, com o maior amor do mundo. E foi embora. Agora de vez.

Sei lá, acho que os adultos tinham toda a razão, só é possível ser feliz quando criança, ou pelo menos despreocupado.
Hoje em dia eu vou dormir e fico um monte de tempo pedindo e mentalizando saúde pras pessoas que eu amo, até que algum dia elas não vão ter mais.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Dor de cabeça

O dia acordou feliz e logo mudou muito.
Àgua no rosto, escorendo quente e desamparada, como se ninguém no mundo soubesse ou se interessasse.
Uma cortina dupla de mágoas e planos não concretizados, como um jardim onde a grama tivesse esquecido de crescer.
A melancolia da existência é inerente a todos nós, ele me disse.
Disse também que extirparam nossas raízes e qualquer noção de conforto que pudéssemos achar no mundo.
O rio é frio e fundo, mas também tem uma cor que ninguém entendeu, ninguém reparou.
A inevitável decadência do ser.
Ou só será transformação?
Nosso melhor palpite não passa disso.
E os dias não passam disso.
Os dias não passam, as mágoas também.
É como se o seu espírito fosse uma força de pedra que não te deixa mover até se estilhaçar.
É a voz chateada dos planos mal planejados. De novo? Hoje também?
Sim, mas semana que vem...
Eu tenho aula.

domingo, 10 de julho de 2016

Pra quê?

O google acha que eu escrevo de menos.
Aparentemente eu deveria ter mais letras por aqui e tudo mais.
Uma coisa que eu sei que o Google gosta é frequência, escreve todo dia que ele fica mais feliz com você.  Escreve toda hora.
Essas coisas significam várias coisas pra mim.
Ele disse que eu coloco fotos demais, sendo que a poucas fotos que tenho aqui são dos meus avós, numa celebração de amor bem bonita até, não sei, fiquei triste com a notícia.
É como se nada do que eu produzisse tivesse qualquer valor pra qualquer pessoa nesse mundo.
Eu me sinto bem sozinha nesse mundo de empresas.
É como se toda contribuição social viesse de pessoas que estão em cubículos deixando os milionários ainda mais milionários e nunca fazendo nada realmente prazeroso.
"Tem gente que gosta".
E tem gente que se suicida aos 29 anos por conta dessa lógica,
Ou vive a vida inteira achando que eventualmente alguma coisa vai acontecer e
Nada
Nunca
Acontece.
"A pessoa tem 24 anos e não tem um emprego",
Não interessando se eu já tive pelo menos 5 dos convencionais, não interessando que eu trabalhe todo dia da minha vida, não, socialmente eu sou inútil, eu sou uma piada.
Não precisa levar em consideração que todos os empregos convencionais que eu tive me fizeram mal a ponto de sair de cada um deles chorando e pensando seriamente que se a vida é isso eu não queria mais viver.
"A vida não é só isso", claro, tem sempre meia horinha cansada que você pode assistir uma tv ou ir pra um bar, genial.
Me irrita que essa lógica sequer abra espaço pra gente que nem eu.
Ou é numa empresa ou, mesmo com o projeto na mão pronto e um monte de risada alguém ainda vai te dizer pra cadastrar o currículo no site da Nestlé porque uma corrente de whatsapp diz que eles estão contratando.
A vida sem centavos também é bem difícil de viver, porque você nunca sabe o que vai te acontecer, e se meu instrumento de trabalho quebrar? E se eu ficar doente? E se meus gatos ficarem doentes?
Às vezes você não consegue comprar um remédio, às vezes não tem gasolina pra sair de casa, sua avó morre e a última vez que você tinha visto ela fazia mais de 3 semanas, às vezes não dá pra ir ver o seu irmão.
Mas ao mesmo tempo é um pouco de resistência, é um força contrária a lógica do capital, é uma pessoa que não consome, dinheiro a mesmo que um empresário passa pro outro.
Nós somos tipo formigas que trabalhamos incansavelmente, mas não pro inverno, pros outros, pra alguéns, que nós não sabemos e nem nunca saberemos quem são, pessoas secretas que detém todo a sua existência.
Eu sou chamada de idealista infantil e louca com muita muita frequência, eu ainda acho possível sair dessa lógica, talvez eu seja só burra, vai saber.
Sei que é difícil, mas só por causa dos outros.
O inferno é sempre os outros.
"Você é tão inteligente, esperava m,ais de você",
"Tanto potencial jogado no lixo",
"Uma meninas tão bonita",
Eu sinto como se as pessoas estivessem sempre achando um desperdício que de alguma forma eu tenha nascido inteligente ou bonita ou capaz.
As afobações, o medo, a constante ansiedade.
Me joga em uma ilha sem nenhuma interação humana e nada disso existe mais.
Eu falo até as pessoas ficarem entediadas e não percebo.
Meus amigos nem existem mais, só tenho amizade com parente.
Mas a verdade é que apesar de tudo pela primeira vez em considerável tempo eu tenho as ferramentas necessárias pra quem sabe melhorar, pra quem sabe não precisar mais viver o inferno da ansiedade.
Quem sabe.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Paranoia?

Às vezes, eu sinto, como se estivesse em uma torre.
Começo a ouvir as pessoas lá embaixo, gritando, festejando, comendo e bebendo, fazendo parte de uma grande festa, de uma grande comunidade a qual eu não pertenço.
Eu faço parte, mas não pertenço.
E o meu estômago se embrulha e tudo vai ficando cada vez mais rápido,
eu busco uma sensação familiar, nada, agora não, não estou no clima.
Nem você, não agora.
Suas mãos tremem e você não sabe se o gelo que sente é seu, da morte ou do vento, não se digna nem a tremer, não consegue se chacoalhar pra ver se a sensação melhora.
Fica estática, vira uma pedra.

Mil galhos de árvore acariciam os seus braços, passam por sua pele, rasgam sua pele, rápido, como o fogo.
Você acorda nua no meio de uma floresta que você não conhece, têm animais a sua volta, têm animais te olhando, você se sente uma bruxa, um mago, o louco.

Tudo que anda embaixo de você se esconde no que é oco. No dentro.
É como se fosse uma caixinha de música dentro do meu peito.
A bailarina dança, dança e dança, pra ninguém nunca ver.

A noite está escura, fria e com cantos de louvor entrando pela janela do quarto.
É melhor eu me proteger.

domingo, 3 de julho de 2016

Que tento evitar.

As maldades, das minhas maldades, que eu tento evitar.
Que sugiro esquecer, ignorar, sublimar...
Anoitece e deixa no espaço,
Espaço seco e oco,
Espaço nulo.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Vó.

A verdade é que ando pensando em tanta coisa que no meu turbilhão de pensamentos tudo fica meio vago, muito complexo, tão cheio que não consigo me concentrar em nada em especial.
Eu descobri  uma coisa nova sobre mim e contei para os meus pais.
Não demorou muito tempo, não custou quase nenhuma vida, um telefone numa festa, choro de dor que não era física.
Pronto Socorro.
Meu avô nunca pede ajuda pra ninguém, a vó....?
Vó?
Vó?
Posso ir ver a vó?
Mas ela ainda está viva?
Não.
Cada passo nessa rua eu já dei com minha vó do lado.
Ela me levava na pracinha, mas não só na pracinha, no lugar exato da pracinha que eu queria ir. No lago das carpas. E a gente ficava lá, olhando as carpas, eu sonhando com o dia que eu poderia nadar junto, na cachoeirinha, no meio das carpas.
Até 2013 eu tinha perdido duas pessoas da minha família. Em 21 anos, 2 pessoas que eu amava tinham me deixado. Desde então outras 3 pessoas morreram.
Antes a tia Alzira, depois o Marcel e agora minha avó?
Sério, a minha avó?
A pessoa que cuidava de mim como se eu fosse uma filha, me ensinou metade das coisas que eu sei, cortou minha franja pela primeira vez, me fez parar de roer unhas, sempre tinha um doce pra me dar, me amava até quando eu estava insuportável, cheia de feridas pelo corpo, sem comer a três dias, catapora, você me oferecia o chocolate da Turma da Mônica e nem esse eu queria, não dava pra engolir.
Perdi a referência dos seus olhos há mais ou menos 9 anos, o Alzheimer começou a te atacar, os seus olhinhos ficaram primeiro muito vivos, bravos, você não admitia que uma doença viesse e te tratasse assim, você sempre foi uma espanholhinha muitíssimo brava, mas por fim a força que te exigia era grande demais, pesada demais e você começou a cantar.
Hm hm hm haha hm hmhm.
Quando eu chegava se você tava bem humorada me enchia de sorrisos e até me dava beijo. Se tava brava resmungava toda fofinha, sempre cheirosa, penteada e muito muito bem cuidada pelo vô.
Sempre na sua cadeirinha, às vezes, com as suas bonecas, às vezes, só com uma mantinha.
Vai ser muito ruim e difícil entrar naquela casa sem você.
Espero que você esteja feliz.

Nessa foto, esse olhar, é assim que todo mundo tem que lembrar dela.
Pra conhecer mais sobre meus avós você pode clicar aqui.