Eu sonhei que você era meu par.
Tão amoroso, quietinho e sensível, como eu imaginava que você era.
Engraçado também.
A gente tava num show do The Used, um cara da banda vinha e me beijava e eu só conseguia pensar em você. Eu não queria beijar aquele cara, eu gostava de você.
E você é tão sensível. Como eu ia te contar isso?
Era a última coisa que eu queria fazer. O seu rosto tão nítido na minha mente.
Faz mais de 13 anos que eu não te vejo.
Eu nunca falei com você, nunca nem te dei oi. Só te olhava de longe e gostava de você.
Sempre gostei de você. É engraçado que eu não lembro de nenhum amigo seu, ninguém em comum que a gente conhecesse, eu só lembro que eu te via nos lugares que eu ia e eu gostava de você.
Gratuitamente.
A gente nunca trocou uma palavra, mas tenho seu rosto mais nítido na minha memória do que da maioria dos amigos que já tive. Acho que porque eu sempre senti que nós seríamos bons amigos.
Esse tipo de sentimento me faz ter certeza absoluta que parte de mim é completamente inadequada, pra não ser um pouco mais rude e direta.
Imagina que esquisito e inquietante saber que alguém que você não conhece sempre quis ser mais próximo? O estranho é que eu não acho tão estranho assim.
Primeiro a gente frequentou os mesmos lugares, depois a gente fez cursinho juntos. Nessa época eu estava mudando, pela primeira vez na vida não queria ter vários amigos e entendi que estava tudo bem não querer socializar.
Antes eu me forçava, porque tudo que eu queria era ser normal. Mas bem nessa época eu aceitei que não era.
Justo nessa época que eu podia ter inventado algum motivo pra falar com você, eu resolvi que não ia falar com ninguém. Não durou muito.
Logo que eu entrei na faculdade não consegui continuar me escondendo e quando fui ver já tinha todo esse grupo de amigos que ia comigo pra lá e pra cá e queria me ver mesmo quando a gente não tava estudando.
Mas da onde meu cérebro tirou sonhar com você mais de 13 anos depois da última vez que eu te vi?
Ele eu até entendo, fomos melhores amigos de infância, mas você eu juro que não. Não sei nem como é sua voz. Que passa?
Eu não sei, mas tenho certeza que não é sobre você. Tenho certeza que tem a ver com essa minha mania de ter medo da felicidade, de estar mais confortável em lugares difíceis.
Nessa época eu aceitei que eu não era normal, mas eu nem sabia o que tinha de diferente em mim e eu não usava a palavra diferente, usava a palavra errado.
Eu não conseguia entender o que tinha de errado comigo.
Qual era o meu problema? Qual era o meu problema?
O mais bizarro é que eu não sei seu nome, não faço ideia. Só sei seu apelido que, pensando melhor, nem sei se sei mesmo, porque me contaram seu apelido. Ou seja, talvez nem isso eu saiba. Que sensação estranha.
Fiquei tentando lembrar seu nome com toda força, mas nem sei se tem como lembrar.
Que nostalgia esquisita. Nostalgia e raiva.
Raiva de ter sido uma adolescente tão covarde. Eu tinha mais medo de ser bem tratada do que de ser mal tratada. Se eu achasse que você seria desagradável era capaz de ter dado um jeito de falar com você. Mas era óbvio que não. Eu sei lá o que fazer com isso.
Queria saber como você está hoje em dia, o que você faz, onde você mora.
Ou será que não queria estar aqui?
Onde mesmo com meu pai doente, minha cachorra doente, eu doente, tudo está relativamente bem?
Todo dia eu acordo e tenho um propósito, não me preocupo com dinheiro, nem com crueldade, estirpei da minha vida toda pessoa que me fazia mal, posso passar meu dia inteiro do lado dos meus animais, tenho um companheiro que é meu melhor amigo, faz tudo por mim e está extremamente saudável, tenho meus livros, minhas aquarelas, meus fãs e clientes, tenho um computador novo, roupas novas, decoração nova, faço exercícios, não me alimento do sofrimento de animais, cozinho melhor do que nunca, sei onde comprar meu tofu gostoso e barato, meu jardim tá lindo e florescendo de novo, tenho que decidir se quero ir pra praia... tá tudo bem.
Meu pai tá sendo tratado, minha cachorra também, eu também.
Não tem um frizz nesse meu cabelo. Tá tudo bem.
Eu sei lá o que fazer quando tá tudo bem, não tem nada pra odiar em mim, terapia em dia, eu sei lá como vou dar um jeito de me odiar e é aí que entra você.
Aí que entra meu ex-melhor amigo. Aí que entra o passado, que eu nunca vou conseguir mudar, entra essa menina que fazia o que dava com o pouco que tinha e tava sempre estressada e assustada e achando que fez alguma coisa errado. Colocando travesseiro na frente da barriga quando sentava.
Escrevo esse texto enquanto tento entender: o que meu cérebro queria com isso? Qual é a dele? Que que foi? Será que era essa sensação de estranhamento e nostalgia que ele queria suscitar em mim? Pra que isso?
Ou é só o bom e velho medo do outro sapato cair.
Inferno de sapato.
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