quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Petúnia Bel.

 Petúnia, a cachorra mais doce que já existiu.

Eu não acredito que já tô falando dela no passado.

Hoje eu acordei com um barulho estranho, um barulho de água vindo do vizinho, levantei correndo e a Petúnia, que já tava doente, me olhou, suspirou e morreu.

Assim, definitivo. Deixou de existir.

Minha cachorra, que nunca me deixava sozinha.

Que ia comigo pra onde quer que eu fosse.

Que falava comigo sem parar, eu dublava ela, pros outros entenderem e sempre achavam que eu tava fazendo graça, mas a verdade é que eu só tava traduzindo. Ela falva comigo, o tempo todo.

Esses dias eu me arrumei pra gravar um vídeo e estava toda bonita e feliz com meu vestido novo, ela me olhou com aquela carinha docinha dela e sorriu.

A Pepe sorria. 

A Pepe sorria e brigava também, quando ela achava que alguém ou alguma coisa tava me incomodando ela fazia um latido grave de cachorrão "au au au". Deixando claro que era melhor acabar com esse comportamento ou ia ter que se ver com dona Pepe.

Ela, que nem eu, amava comer. Comia até as paredes se deixasse. 

Vivia lambendo o chão, pra ver se tinha caído alguma migalhinha de pão ou alguma comida humana gostosa. Ela tinha dor de estômago então a gente só dava ração, petiscos, osso e churru.

Mas ela amava uma comidinha humana.

Ver minha bebê recusando comida matou um pedaço de mim. Pedaço de mim.

Quantas músicas de amor não cabem exatamente no choro de perder minha melhor amiga?

E agora, que faço eu da vida sem você?

Eu perco o chão, eu não acho as palavras, eu ando tão triste, eu ando pela sala.

Ad infinitum...

Eu tô tão triste que meu cérebro fica conjurando essas imagens de mortes terríveis e violentas, um machado na minha cabeça, um tiro no meu rosto, pra tentar entender como eu posso sentir tanta dor.

Mas ele não entende não, aí entra num estado de fuga...

Até uma live eu abri pra ver se sentia algum senso de normalidade, porém todo dia quando eu começava a me arrumar ela já ficava do meu lado se preparando, depois passava a live inteira do meu lado.

Tudo, todo pedacinho da minha vida tem Petúnia.

Eu não sei viver sem ser com ela, eu não sei ser uma adulta sem contar com a presença dela.

Ela me ajudava a fazer sentido de tudo.

Passei mais de um terço da minha vida na companhia desse cão, desse neném, desse anjo.

Eu sei que todo mundo ama seu cachorro e fala que ele era o melhor cachorro do mundo, mas a Petúnia era mesmo, o mais leal, mais doce e carinhoso, mais engraçado.

Ela teve que ficar 4 dias internada no hospital veterinário e uma das vets me contou que eles disputavam pra ver quem cuidava dela, porque ela era tão boazinha, não reclamava de nada.

Tão amada.

Nossa família inteira está em pedaços. Nada nunca vai ser tão bom quanto como quando a gente tinha a companhia dela.

A vida segue, a gente se adapta, mas não de fato.

Pra sempre fica faltando algo, um rombo no coração no formato dela.

Um rombo no coração chamdo Petúnia Bel.

Minha Pepe, minha cu.



E agora?
Que faço eu da vida sem você?


Não faço.



                                                                                                                                                                                                                                              

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Gratuito (ou unhinged).

 Eu sonhei que você era meu par.

Tão amoroso, quietinho e sensível, como eu imaginava que você era.

Engraçado também.

A gente tava num show do The Used, um cara da banda vinha e me beijava e eu só conseguia pensar em você. Eu não queria beijar aquele cara, eu gostava de você.

E você é tão sensível. Como eu ia te contar isso?

Era a última coisa que eu queria fazer. O seu rosto tão nítido na minha mente.

Faz mais de 13 anos que eu não te vejo.

Eu nunca falei com você, nunca nem te dei oi. Só te olhava de longe e gostava de você.

Sempre gostei de você. É engraçado que eu não lembro de nenhum amigo seu, ninguém em comum que a gente conhecesse, eu só lembro que eu te via nos lugares que eu ia e eu gostava de você.

Gratuitamente. 

A gente nunca trocou uma palavra, mas tenho seu rosto mais nítido na minha memória do que da maioria dos amigos que já tive. Acho que porque eu sempre senti que nós seríamos bons amigos.

Esse tipo de sentimento me faz ter certeza absoluta que parte de mim é completamente inadequada, pra não ser um pouco mais rude e direta.

Imagina que esquisito e inquietante saber que alguém que você não conhece sempre quis ser mais próximo? O estranho é que eu não acho tão estranho assim.

Primeiro a gente frequentou os mesmos lugares, depois a gente fez cursinho juntos. Nessa época eu estava mudando, pela primeira vez na vida não queria ter vários amigos e entendi que estava tudo bem não querer socializar.

Antes eu me forçava, porque tudo que eu queria era ser normal. Mas bem nessa época eu aceitei que não era.

Justo nessa época que eu podia ter inventado algum motivo pra falar com você, eu resolvi que não ia falar com ninguém. Não durou muito.

Logo que eu entrei na faculdade não consegui continuar me escondendo e quando fui ver já tinha todo esse grupo de amigos que ia comigo pra lá e pra cá e queria me ver mesmo quando a gente não tava estudando.

Mas da onde meu cérebro tirou sonhar com você mais de 13 anos depois da última vez que eu te vi?

Ele eu até entendo, fomos melhores amigos de infância, mas você eu juro que não. Não sei nem como é sua voz. Que passa?

Eu não sei, mas tenho certeza que não é sobre você. Tenho certeza que tem a ver com essa minha mania de ter medo da felicidade, de estar mais confortável em lugares difíceis.

Nessa época eu aceitei que eu não era normal, mas eu nem sabia o que tinha de diferente em mim e eu não usava a palavra diferente, usava a palavra errado.

Eu não conseguia entender o que tinha de errado comigo.

Qual era o meu problema? Qual era o meu problema?

O mais bizarro é que eu não sei seu nome, não faço ideia. Só sei seu apelido que, pensando melhor, nem sei se sei mesmo, porque me contaram seu apelido. Ou seja, talvez nem isso eu saiba. Que sensação estranha.

Fiquei tentando lembrar seu nome com toda força, mas nem sei se tem como lembrar.

Que nostalgia esquisita. Nostalgia e raiva.

Raiva de ter sido uma adolescente tão covarde. Eu tinha mais medo de ser bem tratada do que de ser mal tratada. Se eu achasse que você seria desagradável era capaz de ter dado um jeito de falar com você. Mas era óbvio que não. Eu sei lá o que fazer com isso.

Queria saber como você está hoje em dia, o que você faz, onde você mora.

Ou será que não queria estar aqui?

Onde mesmo com meu pai doente, minha cachorra doente, eu doente, tudo está relativamente bem?

Todo dia eu acordo e tenho um propósito, não me preocupo com dinheiro, nem com crueldade, estirpei da minha vida toda pessoa que me fazia mal, posso passar meu dia inteiro do lado dos meus animais, tenho um companheiro que é meu melhor amigo, faz tudo por mim e está extremamente saudável, tenho meus livros, minhas aquarelas, meus fãs e clientes, tenho um computador novo, roupas novas, decoração nova, faço exercícios, não me alimento do sofrimento de animais, cozinho melhor do que nunca, sei onde comprar meu tofu gostoso e barato, meu jardim tá lindo e florescendo de novo, tenho que decidir se quero ir pra praia... tá tudo bem.

Meu pai tá sendo tratado, minha cachorra também, eu também. 

Não tem um frizz nesse meu cabelo. Tá tudo bem.

Eu sei lá o que fazer quando tá tudo bem, não tem nada pra odiar em mim, terapia em dia, eu sei lá como vou dar um jeito de me odiar e é aí que entra você.

Aí que entra meu ex-melhor amigo. Aí que entra o passado, que eu nunca vou conseguir mudar, entra essa menina que fazia o que dava com o pouco que tinha e tava sempre estressada e assustada e achando que fez alguma coisa errado. Colocando travesseiro na frente da barriga quando sentava.

Escrevo esse texto enquanto tento entender: o que meu cérebro queria com isso? Qual é a dele? Que que foi? Será que era essa sensação de estranhamento e nostalgia que ele queria suscitar em mim? Pra que isso?

Ou é só o bom e velho medo do outro sapato cair.

          Inferno de sapato.




sábado, 18 de janeiro de 2025

Laísa

 Laísa era uma pessoa problemática.

Tinha nascido com o cérebro diferente, em circunstâncias longe de ideais e em uma família gigantesca.

Eram 10 tios e 14 tias. Muitas opiniões.

A mãe de Laísa não tinha voz pra contestar nenhum desses milhares de irmãos, ouvia tudo em silêncio, concordava com tudo.

O pai dela mesmo que quisesse ter alguma opinião, não seria ouvido.

Quando Laísa estava crescendo ela percebeu que a melhor maneira de não ser maltratada era tentando agradar cada uma dessas pessoas. Esses tios e tias e seus milhares de filhos.

Mas como ela poderia agradar todas essas pessoas sendo que cada uma delas gostava de uma coisa diferente? Não era bem assim.

A maioria delas só fazia de tudo pra ser bem visto também pelas outras pessoas, porque a verdade é que quando você não era bem quisto a vida virava uma tortura.

Tantas opiniões.

Mas a gente sabe que não importa o que a gente faça sempre vai ter quem não goste da gente.

E abuso nesse ambiente não só era tolerado, como era tido como motivo de risada.

Agora não vou rir de ser espancada? Magina, quem sou eu, uma fraca?

Tudo é engraçado. E todos são tão liberais.

Exceto quando o assunto é liberdade.

Aí não pode ser gay, gordo, puta, não pode não fazer faculdade, ser neurodiverso, não pode ser preto ou aparentar ser qualquer coisa indesejada.

Pobre todos eles são, mas tem que fingir que não.

E pode roubar também, um do outro.

Empresta milhares de reais pro herdeiro e fica tranquila que ele não vai te pagar.

Ajuda a mentirosa que 20 anos depois continua perseguindo e tentando achar justificativas sobrenaturais pra coisa mais normal do universo: ser abandonada porque se é insuportável.

Imagina alguém que nunca pensou um dia da prórpia vida que podia estar errada, é ela.

Mas com certeza foi macumba. Porque ela achou trabalhos na encruzilhada.

Vai lá numa religião que não te cabe perguntar do seu abandono, extremamente respeitoso.

O alcolatra que conta sobre o alcolatra pior que ele pra parecer menos mal.

A mimadinha que quer acusar os outros de terem tudo.

A que só sabe pensar na herança da matriarca acusando os outros de roubo.

Braço curto.

Zero ajuda.

Na hora de reclamar a linguinha tá sempre pronta, mas fazer uma companhia pra velhinha?

Ela tem que lavar a louça. Dos filhos de quase 40 anos dela.

Ela é muito ocupada, tem que lavar a louça.

Laísa a vida inteira tentou passar pano, entender a perspectiva de cada uma dessas milhares de pessoas.

Ah, mas esse passou por isso, aquele passou por aquilo.

Mas não interessava o que ela estivesse passando o julgamento era sempre cruel. Radical, inaceitável. Abuso psicológico mesmo.

Era tão difícil que por anos ela simplesmente dissociava. Estava lá, mas não estava lá.

A mais profunda e completa negação. Achava até que tinha uma "família unida".

Fazia de tudo pra não perceber as crueldades e se percebia, esquecia em seguida.

Superpoderes do cérebro neurodivergente.

E com seus amigos fazia igual, fingia que era uma garota nada problemática.

Era uma pessoa sempre fazendo gracinha e nunca discutindo as coisas horríveis que ela passava, a maioria dos amigos dela não fazia ideia de quão desestruturada foi sua criação.

Aliás todos.

O melhor amigo dela a via como alguém normal. Esquisita, mas por opção. Normal.

Quando ela cresceu e começou a tomar decisões questionáveis na vida, nenhum dos amigos dela entendeu.

Mas você sempre foi tão isso e aquilo e aquilo outro. Tudo que ela queria que achassem dela, zero realidade.

A máscara tão pesada que ela simplesmente não sabia se nenhum dos amigos dela chegaram a amar ela de verdade. Sabia sim. Não dá pra amar quem a gente não conhece.

Ela cresceu e ficou completamente sozinha. Ainda passando por todos os abusos de quem veio de uma Grande Família. Tudo muito engraçado.

E não interessa nem quem ela é ou deixa de ser, porque no caso da Laísa a marginalização veio de berço.

sábado, 21 de dezembro de 2024

Sonho.

 Hoje eu sonhei com essas grandes torres em que todas as pessoas privilegiadas do mundo moravam juntas.

Teoricamente só existia paz e riqueza.

Mas como qualquer coisa que parece boa demais pra ser verdade, era.

Em algum momento do sonho eu descobria que só algumas pessoas tinham acesso a alguns andares das torres, andares com restaurantes, por exemplo.

Depois de investigar um pouco mais eu descobria que fora das torres existiam várias pessoas que viviam na miséria, sujeira e fome.

Ao conversar com algumas dessas pessoas descobri que o lema das torres que era algo como "Paz e felicidade para todos", no começo era algo muito mais obscuro, avisando que "Crianças más vão pro forno".

E a gente sabe que se de repente existe um poder que pode decidir que criança é má ou boa, esse poder é absoluto.

No meu sonho todos os dias dezenas de crianças eram queimadas juntas num forno debaixo das torres.

Crianças que os professores consideravam burras ou desobedientes, que algum adulto denunciava.

O que significava que no começo das torres, todo mundo vivia em vigilância constante com medo de ter seus filhos queimados.

Acontece que depois que isso deixou de ser um costume a vigilância constante continuou existindo.

Apesar das pessoas não saberem da verdade, existia um clima no ar que deixava claro que algo não estava certo. Sem contar o fato de que algumas famílias desapareciam do convívio social e quando alguém questionava as respostas eram vagas "ouvi dizer que eles mudaram de torre", "mas pra onde eles foram?", "não sei, só ouvi dizer que eles mudaram de torre", "eles não avisaram ninguém?", "Não...".

E a mudança de torre, no final das contas fui saber, era expulsão.

As pessoas que questionavam muito ou que de repente pareciam não fazer mais parte de alguma forma, seja por alguma excentricidade ou mudança de hábitos eram jogadas nas ruas.

Enquanto eu descobria tudo isso ficava morrendo de medo, porque afinal de contas, eu também morava nas torres.

E agora tinha descoberto isso.

E descoberto que alguns níveis das torres eram inacessíveis para a maioria dos residentes.

E agora tinham descoberto que eu sabia...

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Gratidão e amor


"Ferdi?"
Levantei os olhos e por um segundo tinha certeza que estava reecontrando uma amiga.
"Oi".
Os olhinhos dela estavam tão brilhantes. 
Parecia que ela estava vendo alguém que ela gostava muito.
"Ferdi, eu assisto seus vídeos desde 2010. Lembro de te assistir adolescente".
A doçura do sorriso, dei um abraço nela.
Fazia um tempo que não encontrava nas ruas alguém que lembrava assim de mim, com carinho. 
Foi tão especial sentir que uma parte de mim já era conectada a essa pessoa que eu acabei de conhecer.
Relações parassociais são tão importantes pra mim, foi tão legal ver que há tantos anos nós somos amigas, eu só não sabia ainda. Assim como eu tenho milhares de amigos que nunca me conheceram.
É estranho explicar, mas quando eu venho aqui falar pro mundo, pra qualquer pessoa que quiser ouvir, eu tô mesmo abrindo meu coração pra quem quer que queira me corresponder.
Quando a gente fala de números e engajamento fica parecendo que a vida aqui é matemática e mensurável.
Mas não é verdade.
Quando você realmente consegue se conectar com uma pessoa, através de uma tela, é uma coisa muito bonita, divina e mágica.
Cada pessoa que já dedicou um segundo do seu tempo e atenção ao meu conteúdo, com tanta gente maravilhosa e interessante por aí pra gente ver, tem uma partezinha do meu coração.
Brega e emocionada, eu sei.
Mas eu sou assim mesmo, meio brega, totalmente emocional e eu gosto de ser assim.
Encontros como esse tem a capacidade de me deixar feliz e extremamente agradecida por viver por meses, anos, pra sempre.
Eu lembro de toda pessoa que já me encontrou e me olhou com olhinhos genuínos de carinho.
É uma sensação muito especial.
E eu não sou descolada, eu me importo pra caramba.
E sou muito feliz por ter tantos amigos que fazem parte da minha vida de tantos jeitos pouco convencionais.
Obrigada por tudo.
Eu amo vocês.

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Dispensável.

 Eu deveria me impressionar com o resultado das eleições americanas, mas não me impressiono mais.

Trabalhar com o que eu trabalho é estar exposta as mais diversas facetas humanas.

E mesmo eu, que tenho muita e muita sorte, já sabia.

Já sabia que para os caras que votaram nesse homem votaram porque, pra eles era uma questão de se sentir necessário.

A realidade é:

Mulheres não precisam de homens.

Mulheres não obedecem homens.

Mulheres não são tão dramáticas quanto homens.

Mulheres entendem cada dia mais que se relacionar com um homem pode significar companheirismo ou prisão.

Amor ou sobrecarga.

Carinho ou violência.

E pra que se arriscar se você consegue se suprir com tudo que você precisa?

Homens não são mais necessários. Eles são opcionais na vida de uma mulher.

Mais do que nunca.

E se eles não são mais necessários, se eles são dispensáveis, agora eles não podem mais agir como bem entender e saber que suas esposas vão ter que aceitar caladas qualquer deslealdade, violência ou violação porque não tem pra onde ir.

E é aí que entra a extrema direita.

Os líderes de direita querem convencer o homem que a realidade não existe.

Que mulheres sempre vão depender deles.

Que eles são insubstituíveis e necessários.

Que sem um homem a criança cresce fraca (em paz, no caso).

Que sem um homem quem vai trocar o pneu da mulher (kkkk).

Que sem um homem como que teríamos hierarquias arbitrárias? (não teríamos).

A gente precisa do homem pra "por as coisas em ordem".

Qual ordem?

A ordem onde incompetência é esquecida, contanto que você seja amigo do dono.

A ordem onde tem gente que não sabe mais como gastar dinheiro e tem gente que tá há 3 dias sem comer.

A ordem onde abuso é tolerado como normal.

A ordem em que todo mundo está enlouquecendo e deprimido.

A família tradicional brasileira.

Um homem que não lava a própria cueca, é alcolatra, não sabe o nome de um amigo dos filhos, mal sabe a idade deles. Traí a esposa, é agressivo, incompetente e amargo.

Dá piti e grita com a criança sobre como isso é ou não é "coisa de homem", "coisa de mulher direita".

Um homem "de família" que mal sabe tomar banho direito.

Meninos frustrados porque nenhuma menina quer transar com eles.

Elas não estão mais dispostas a passar pelo absurdo que sempre foi considerado normal.

Deslealdade, sabotagem, maldade e inveja.

Homens e meninos sempre puderam ser versões horríveis deles sem perder absolutamente nada.

Mas o tempo é implacável.

E eles querem voltar no tempo.

Mas não tem como. E é isso.

Homens são dispensáveis e portanto perderam seu poder.

Quer eles queiram, quer não.




domingo, 3 de novembro de 2024

Amigo de infância.

 Naquele banco, daquele parque, aquele dia.

Era verão, mas não estava quente demais.

Batia uma brisa leve e os pinheiros se mexiam bonitos, lá no alto.

Naquela época ainda tinham árvores naquela esquina, era bonito.

Eu nunca imaginei que logo ele ia me dar atenção, virar meu amigo, mas virou.

A gente conversava bastante, não faço ideia sobre o quê.

Mensagens e mais mensagens.

Depois começamos a sair pra passear e passávamos horas conversando.

Eu amava conversar com ele, amava passar tempo com ele.

Ele ria das minhas piadas e eu sentia que não precisava fingir que fazia parte de uma subcultura pra ele me achar legal, sei lá, a gente só se achava legal.

Gostava de fazer coisas com ele, até umas coisas nada a ver, tipo andar por uma loja de materiais de construção que ficava na esquina da rua dele.

Aliás, tinha isso também, a gente morava no mesmo bairro.

Ele conhecia um monte de gente que eu conhecia também, estudou nas mesmas escolas que eu, teve os mesmos professores e aprendeu coisas parecidas, acho que ele me entendia melhor por morar ali, porque acho que a geografia faz diferença quando a gente conhece alguém.

Passaram anos tranquilos de amizade, ele às vezes me fazia perguntas estranhas e às vezes ele me frustrava muito, mas eu sempre coloquei ele num pedestal.

Porque parte da minha vida foi pra sempre alterada porque ele era meu amigo.

Isso faz muitos e muitos anos.

Éramos crianças quando nos conhecemos, faz mais de 21 anos.

Eu sempre associei a melhora da minha autoestima ao nascimento do meu irmão, porque ele sempre foi um irmão muito bom, muito especial e que me ajudou muito a entender que tinha espaço pra mim no mundo.

Mas esses dias na terapia eu tava lembrando e eu conheci esse amigo um ano antes do meu irmão nascer, ele talvez tenha até me ajudado a ter a coragem de pressionar meus pais pelo meu irmão, porque eu queria um irmão mais que tudo, eu odiava ser filha única e eu e meu pai infernizamos minha mãe pra ela ter meu irmão.

E quando meu irmão nasceu minha vida melhorou absurdamente.

E também depois que ele virou meu amigo.

Ele me tratava bem, como se eu fosse uma pessoa digna de ser tratada bem, como se xingar e humilhar seus amigos não fosse uma coisa normal.

Ele nunca me xingava, nem me humilhava. Eu lembro tão vividamente do sorriso dele.

E é engraçado porque ao longo dos anos ele teve o cabelo raspado, curto, médio, longo e em todos eles eu lembro dele me tratando como um ser humano digno de afeição e sorrindo.

Faz mais de 6 anos que eu não falo com esse amigo.

Dos 17 aos 21 também fiquei sem falar com ele, depois voltamos a nos falar.

Esses dias eu tentei entrar em contato com ele, mas ele não respondeu.

Antigamente eu teria ficado completamente arrasada, mas hoje em dia eu entendo que aquele meu amigo nem existe mais. Ele é outra pessoa agora.

Uma pessoa que eu adoraria ser amiga ainda assim, mas não é o meu mesmo amigo, é outro, aquele nem existe mais. E por acaso o de agora não quer mais ser meu amigo.

E eu entendo, eu não sou uma pessoa fácil de conviver.

Infelizmente eu não lembro direito porque a gente parou de se falar, porque quando isso aconteceu eu estava no meio de uma crise mental muito severa e estava desassociando muito.

Tinha acabado de tentar parar de existir.

Quando isso aconteceu eu achei que ia ver ele, mas ele não apareceu.

Do nosso afastamento eu só lembro que em algum momento ele disse que eu estava falando que nem uma bolsonarista e conhecendo meu amigo e eu, aquilo era uma das piores coisas que poderiam ser ditas, então ele devia estar muito bravo e cansado. O cara tinha acabado de se eleger, o que teve um peso significativo no começo da minha crise.

Eu era jovem e tola, hoje em dia jamais deixaria um fascista me destruir daquele jeito, mas na época eu não sabia melhor. Eu surtei. Enfim...

Quatro anos depois, na eleição do meu velhinho bonito, na fila da votação eu vi meu amigo de novo, mas dessa vez eu nem sei se ele me viu, acho que sim porque estávamos muito perto, mas ele não me deu oi, nada, como se fossemos completos estranhos, como se não tivéssemos nos conhecido crianças e crescido juntos e passado por várias coisas.

Talvez eu que tenha romantizado essa amizade e pra ele não teve o mesmo significado que teve pra mim. Talvez ele mal se lembre.

Sei lá.

Esses dias meu irmão tava falando sobre como eu costumava ser, nas palavras dele "maior rueira" e isso me fez pensar em todos meus amigos perdidos e todas as socializações que deixaram de existir e o quanto boa parte daqueles amigos não gostavam de fato de mim, mas sim da versão que eu tentava encenar pra eles. Na psicologia se fala em mascarar.

Na época eu não sabia que era autista, mas instintivamente sabia que meu jeito não era muito legal de se conviver, na minha família meus primos mais velhos me maltratavam muito, me chamavam de irritante, me batiam, humilhavam minha aparência, até os que eu achava que eram meus amigos, então eu sabia que ser eu mesma não era a melhor das opções.

Mas quando eu conheci esse amigo em questão era nova demais pra perceber que o jeito como me tratavam era ruim e errado, então desde o começo fui totalmente eu mesma com ele e ele gostou de mim mesmo assim.

Acho que por isso quando eu recebi meu diagnóstico tentei me reaproximar dele, fiquei com saudade de conviver com alguém que não era da minha família, não tinha obrigação nenhuma de me tratar bem e ainda assim tratava.

Mas a gente cresce, muda, se desenvolve e hoje em dia eu não sou mais aquela menina que era amiga dele e nem ele é aquele menino que era meu amigo.

Somos completos estranhos vivendo vidas completamente separadas.



Eu não quis dizer isso.

Eu só falei isso porque tava bravo.

Eu só disse isso porque você me irritou.

Mas é que você tinha me ofendido primeiro.

Ele nunca realmente queria dizer aquilo, ele só falava porque estava nervoso.

Burra, gorda, fracassada, viciada, não tem onde cair morta, coitada, nojenta, repulsiva, preguiçosa, folgada, narcisista, egocêntrica, hipopotamo, "você não é tão inteligente quanto você pensa" etc

Mas nada daquilo era verdade.

Na verdade ele me achava uma pessoa muito foda.

Na real, real mesmo, ele me amava e me achava incrível.

Ele falava bem mais que me achava incrível e linda e legal e inteligente e brilhante do que essas outras coisas que ele dizia quando estava muito chateado.

Quando ele sentia que eu não estava escutando ele.

Eu também não era nenhuma santa e falava coisas feias. 

Que ele tava sendo burro, patético. Jogava na cara os erros que ele tinha cometido.

Às vezes umas coisas que tinham acontecido há muitos anos atrás.

Às vezes coisas que pareciam que tinham acontecido ontem.

Eu tava sempre nervosa e me sentindo atacada.

"Eu só quero que você melhore, você está doente".

E eu tava mesmo, acabada. Nem me reconhecia mais.

Eu ia no médico, pedia ajuda, fazia exames, tomava vitaminas, me alimentava direito, ia na academia, cultivava bons pensamentos. Mas não adiantava.

Parecia que eu tava doente na alma.

Parecia que aquela mulher amarga que tava sempre por perto enquanto eu crescia tava sentada nos meus ombros, que nem aquele filme de terror. 

Parecia que ela guiava meus passos e pensamentos. 

Amarga, cruel, nunca questionando por um momento se estava errada.

"É seu fígado, quando o fígado fica assim a gente fica colérico".

E isso me dava ainda mais raiva.

O que você quer de mim?!?!?!

"Que você fique bem".

Mas quando você fala assim comigo nem dá vontade de ficar bem.

"Eu não quis dizer isso, só fiquei magoado".

E o que será que é ficar bem?



segunda-feira, 28 de outubro de 2024