terça-feira, 12 de julho de 2016

Câncer.

A gente só é feliz quando criança.
"Aproveita!", os adultos me diziam e eu pensava "Que bobagem!".
"Quando a gente cresce, os problemas crescem junto".
"É só resolver, ué". Era o que eu realmente pensava, o que esceram de me contar é que, às vezes, o problema é de saúde e simplesmente não pode ser resolvido.
Eu perdi meu primeiro parente próximo quando ainda bem novinha, uns 5 ou 6 anos, não entendi direito o que tinha acontecido e, quando entendi, já tinha me conformado.
A próxima vez que isso aconteceu foi especialmente chocante.
Foi no dia do meu aniversário de 10 anos, minha tia, mãe das primas que eram minhas melhores amigas, morreu sem ar e eu acordei com a notícia.
Até então eu nunca tinha visto meu pai chorar.
Mas minha mãe chorava sempre, foi dela que eu puxei isso, e nos 15 dias após a morte da minha tia ela continuava chorando como se soubesse de alguma coisa.
O meu tio Jânio era um grande amigo meu, irmão da minha mãe, super forte e brincalhão, me levava nas pracinhas no cano da sua bicicleta, fazia alguns anos ele morava na praia com o Cris, meu primo, eles estavam claramente felizes, ele trabalhava como agente carcerário e um dia, voltando pra casa feliz e contente, o ônibus da prisão foi metralhado.
Ele levou um único tiro, na aorta. Contam que com o stress do evento ele só percebeu que estava machucado depois de ajudar todo mundo a descer do ônibus e chamar uma ambulância.
Ele foi a única pessoa desse acidente que morreu.
Isso exatamente 15 dias depois do meu aniversário de 10 anos.
Eu achei que minha família inteira ia morrer, a cada 15 dias morreria um parente por parte de pai, depois de mãe e assim ia até acabarem todas as pessoas que eu amava.
Foram 15 dias de muita agônia, mas logo eu percebi que ia ficar tudo bem.
E ficou mesmo, por uns bons anos ninguém morreu.
Quando eu fiz 15 anos o Alzheimer começou a atacar minha vó, mas todos os médicos diziam que, apesar do Alzheimer, a saúde dela era de ouro. E ela continuava me dando muito amor.
Depois disso eu fiquei uns bons anos tranqüila de novo, nenhuma nova doença na família, nenhuma preocupação muito exasperadora, tudo ok.
Até 2013. 2013 minha tia revolucionária, sempre feliz, casada com o homem mais legal do mundo, o tio que me ajudou a ter todo esse amor por literatura, minha tia esquerdinha, dos saraus, do piano, uma das tias que eu mais gostava, a irmã mais velha da minha mãe, a pessoa que quando ela era bebêzinha chamava de mãe também, do nada, sem mais nem menos, foi diagnosticada com câncer no cérebro.
Ninguém da nossa família nunca tinha tido câncer, por parte de pai sim, mas de mãe? Ninguém.
Eu nem acreditei direito, eu não tive ideia de como lidar com isso, não conseguia prestar um segundo de atenção numa faculdade que eu já não gostava, pra mim não fazia nem sentido o que estava acontecendo, enfim...
Ela morreu depois de 6 meses que descobriram.
E como se não bastasse, um primo meu, o Marcel, 33 anos, filha neném, 0% de gordura corporal, mais forte que um touro; morreu também.
Assim, do nada, alguns meses depois da tia Alzira.
Ele simplesmente sofreu um acidente de carro e deixou de existir.
A mulher dele ficou pedindo ajuda sem sucesso durante horas.
Foi absurdo. 2014.
2015 não foi menos pior, a tia Darcy, a pessoa que eu vi durante quase todos os dias da minha vida, minha vizinha, tia companheira, professora de biologia, diretora das Emeis, uma das pessoas mais generosas e cuidadosas e amorosas que eu conheço: câncer.
Dessa vez, pelo menos, não com uma sentença de morte.
Um câncer no rosto, foi operado, mas ainda agora em 2016 causa um enorme desconforto, ontem ela passou por outra cirurgia, pra tirar mais um nódulo que apareceu, a cirurgia foi um sucesso e eu realmente sei que ela vai se recuperar dessa, mas imagina você passar por isso, ver alguém que você ama passando por isso, a preocupação.
E o Bowie. Mesma doença.
E minha vó. Minha vózinha também foi embora.
Depois de 9 anos com Alzheimer, com toda a saudade dos olhos vivos acumuladas durante todo esse tempo a gente teve que enterrar aquele corpinho tão pequeno, tão fragilzinho, tão despido de vó Sirlei.
Minha vó tinha os olhos muito claros e muito vivos, estava sempre com o cabelinho dourado, todo cacheado, muito bem bonito e arrumado, sempre cheirosa e macia.
Ela cuidava de mim como se fosse minha mãe, com o maior amor do mundo. E foi embora. Agora de vez.

Sei lá, acho que os adultos tinham toda a razão, só é possível ser feliz quando criança, ou pelo menos despreocupado.
Hoje em dia eu vou dormir e fico um monte de tempo pedindo e mentalizando saúde pras pessoas que eu amo, até que algum dia elas não vão ter mais.

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