quarta-feira, 1 de julho de 2009

Denise.

Não era uma pessoa que passava desapercebido. Tinha lábios carnudos bem desenhados, um corpo -que pra quem já tinha dois filhos- demonstrava um bocado de zelo, olhos escondidos por um grande óculos de sol, um sorriso sincero e expansivo, nariz afilado, cabelos curtos e tingidos de maneira moderna. 30 anos. Costumava sorrir e ajudar sempre, foi por conta desse espírito altruísta que nos conhecemos: - Você precisa de alguma coisa? Onde você mora? Fica calma.. Me levou pra casa, cuidou de mim, eu não parava de chorar, o choque só me deixava fazer isso, depois emudeci, ela sempre gostou de cuidar. De forma que quando emudeci ela continuou me visitando e falando sobre tudo, me alimentava, entretinha, via filmes comigo, lia para mim, me banhava e trocava, não que eu fosse física ou mentalmente incapaz de executar essas ações sozinha, mas ela gostava de cuidar. E eu gostava dela. Um dia, depois de exatamente um ano de visitas diárias, notei que sua impaciência começou a aparecer, ela adorava falar, mas queria respostas, queria saber de mim, quantos anos eu tinha? O que exatamente tinha acontecido? O que eu gostava de fazer, ler, ouvir? Ela estava fazendo tudo certo? Como eu podia ser tão bonita? Então eu comecei a escrever pra ela: 17. Prefiro não falar - ou escrever - sobre isso. Calar. Livros. Música. Estava, obrigada. Obrigada. Ela me beijou suavemente na testa e começou a chorar, então me contou -enquanto me abraçava- que com minha idade engravidou pela primeira vez, o filho dela era sua maior bênção, aliás, os dois, tinha um de dez e um de doze, não amava seu marido, não sabia porque estava há treze anos com o mesmo, achava-o chato e não falava claramente, mas insinuava que tinha outra paixão. Ela foi embora nesse dia, dizendo que voltaria no dia seguinte, como fazia sempre. Passei dois meses sem notícia dela, até que um de seus filhos conseguiu então me encontrar -ela falava de mim, mas eles nunca se interessaram muito: "ciúme, me desculpe"- avisaram-me que faria dois meses no dia seguinte, havia sido estuprada e em seguida morta, não existiam suspeitos: - Lamento. Eu disse com a voz fraca de quem não fala há um ano, um mês e 30 dias. O filho mais novo me abraçou, um bebê, um bebê ainda mais bebê que eu, o outro -já com a malícia pré-adolescente presente- fez o mesmo: - Querem sentar? O menininho me pediu água e sentou, eu trouxe e sentei no sofá do lado, o mais velho sentou do meu lado e me abraçou enquanto chorava e percorria a mão pelo meu corpo, eu deixei, não falamos uma palavra até que percebi que o menor havia pegado no sono e então convidei-o ao meu quarto, quando acordei não haviam sinais de que qualquer um dos dois tivesse passado por lá. Eu ainda me pergunto se foi um sonho ou coisa assim, apesar de sentir o cheiro dele no meu corpo e o pesar de perdê-la, mais nada além da minha sensação. O copo -que eu não havia devolvido à cozinha- estava no escorredor como eu o havia pego. Mas foi por essa época que eu voltei a falar.

6 comentários:

Anônimo disse...

Que pessoa legal a Denise.
Merece uma estátua em sua homenagem.

Ferdi disse...

Também acho, eu amo a Denise.

Anônimo disse...

Denise é gente boa e os novos olhos estão lindos. dik

Ferdi disse...

É mesmo, vou ligar pra ela esses dias.
Obrigada, mas eu só uso de vez enquando.

Anônimo disse...

Os novos olhos são lindos de vez enquando.

Ferdi disse...

em quando*, no mais foda-se a grafia e fodam-se as palavras, foda-se a vida e os que vivem.
É, com palavrões, foda-se essa droga de mundo e essa humanidade fodida, foda-se mais ainda!
E sem prazer.
Fodam-se os sorrisos e os abraços, foda-se a felicidade, foda-se essa ilusão que é existir, foda-se.
Fodam-se!