quarta-feira, 6 de maio de 2009

Se eu não tivesse coração..

Se meu coração não batesse mais eu nunca mais sentiria dor. Nunca mais me revoltaria com guerras religiosas, que, empatado com a guerra do Iraque e a questão industria farmacêutica/africanos, é a coisa mais idiota que o homem faz atualmente. Não ficaria magoada com ofensas e minhas limitações, porque eu me culpo e entristeço sabendo que não sou nenhum gênio em nenhuma área e que quando crescer, se for reconhecida, será aquela coisa mediana, que corresponde com o que eu sou. Não sentiria falta de alguns amigos que me decepcionam cada dia mais com a ausência e o não ligar da minha falta. Não me magoaria tanto com a dor do Oskar Schell, que é um arquétipo da dor do 11 de setembro. Não acharia ridículo e sem propósito além de utópica a reforma ortográfica. Não me sentiria desamparada por não ter um plano comum pro futuro. Não sentiria raiva de um médico me dizendo que sem dinheiro não há felicidade e achando que comprova me perguntando se meus amigos atores de teatro tem casa de praia e vários carros na garagem. Não teria ódio de me subestimarem por eu ser jovem "Aos 17 anos todo mundo é idealista". Não teria REAL vontade de matar as pessoas escrotas que traíram minha confiança e que eu gastei um tempo precioso com. Não sentiria enjôo, asco e vontade de mudar tudo ao olhar pra casa delas. Não teria ódio e tristeza por terem matado o Tancredo (mais ainda depois de descobrir que além do tiro deram um jeito dos médicos que o operaram darem umas erradinhas, assim, de leve). Não me sentiria incompreendida pela maioria das pessoas nem teria que ouvir minha mãe cochichando preocupada com a minha tia sobre minha maneira muito esquisita e até perigosa de ver o mundo. Não teria que rir de raiva ao escutar que "Falta Deus no seu coração". Não me sentiria sozinha e nem vazia. Não ficaria triste porque a Thaís mora tão longe. Não acharia extremamente deprimente as pessoas precisarem ofender umas as outras para se sentirem, de alguma forma estranha, superiores. Não queimaria literalmente um bocado de lembranças que eu guardava em uma caixa, porque agora elas são lembranças más e já foram as melhores. Não teria tanta saudade do Dimi e nem me chatearia por pensar que ele não se importa. Não acharia injusto não me apaixonar e rir o tempo todo. Não sofreria ao notar que mendigos são tratados como baratas (inicialmente havia escrito cachorros, então lembrei que cachorros costumam ser bem tratados, alguns melhor tratados que eu ou você). Não choraria vendo as atrocidades que a humanidade é capaz de cometer, tipo jogar crianças da janela, arrastá-las pra fora de um carro até as mesmas morrerem, espancar velhinhos, humilhar pessoas desfavorecidas, ter preconceito contra homossexuais e tratá-los como aberrações (a ponto de cidadãos "de bem" me perguntarem com algum rancor "Então você acha normal?" "Sim, perfeitamente!" e depois me olhares com desprezo), tratar domésticas(os) como simples servos ao invés de reconhecer o quão útil são os serviços que eles prestam, esquecendo que fora 5% da população todos nós somos também empregados, que ganhamos mais, porém trabalhamos para alguém, dentre tantas outras. Se eu não tivesse coração.. Se eu não tivesse coração não poderia me encher de alegria lendo a parte que o Holden leva a Phoebe pra passear no parque de diversões. Não sentiria ele bater mais forte ao ver os olhinhos cheios de amor e ternura do meu irmão mirando pra mim. Não teria uma ponta de esperança no amor ao ler, mesmo que ficticiamente, Florentino Ariza se devotando esse tanto a outro alguém. Não choraria de alegria em todo filme que as coisas acabam bem. Não amaria a chuva nem o vento. Não desenharia tanto ou mesmo escreveria. Não falaria pra mim mesma "A Thaís é linda, ? Ela é um máximo!", toda vez que conversasse com ela. Não teria tanta alegria em rir sinceramente com amigos queridos. Nem teria minha alegria de vida renovada toda vez que visse o Dimi. Não me orgulharia das poucas coisas boas que eu faço. Não dormiria tão bem por estar dividindo a cama com minha mãe e irmão, todos juntos e esmagados. Não me sentiria tão livre ao observar a tela em branco e meus potinhos de tinta preparados. Não vibraria junto com as cordas do piano. Não morreria de chorar escondida no camarim depois de cada apresentação, se orgulho, realização, sensação de trabalho cumprido. Não seria abraçada com sinceridade e nem receberia os parabéns da minha mãe, com os olhos cheios de orgulho. Não me sentiria dona do mundo ao subir na laje ou na árvore da casa da avó. Não teria tantas idéias engraçadas, não daria risadas e gargalhadas absurdas, sozinha. Não amaria tanto o fato de ter tido um irmão depois de tanto tempo e ter a sorte dele se parecer tanto comigo, em tanta coisa. Se eu não tivesse coração não vibraria de emoção com a possibilidade da minha viagem. Não me sentiria nas nuvens sentindo perfume da minha mãe, do meu irmão, do Rafa, do Dimi, das rosas, da Jennin, da Marininha.. e de tantos outros amados por aí. Não choraria de alegria quando tudo desse certo. Não vibraria com a notícia de que os alunos do Ensino Médio poderão escolher 20% da sua grade curricular (mesmo que isso não mais desrespeite a mim). Não amaria com tanta devoção o Chico Buarque, o Frank Sinatra, o Tchaicovsky e o Kevin Barnes. Não teria orgulho de ser da mesma espécie que o Einstein, Newton, Da Vince, Michelangelo, Beethoven, Shakespeare, Stanislavski, Chaplin, Truffaut, Hitchcock e tantos incontáveis outros. Não estamparia um sorriso quase desestampável na face ao saber que o juiz preconceituoso que escreveu aqueles absurdos sobre aquele jogador foi afastado (apesar de achar que, com certeza, prisão seria pouco), que Hitler se matou, que prenderam a Von Richthofen e os Nardoni, que criaram os CÉUS, que um cara arranjou um jeito de falar de literatura com a periferia de uma maneira que eles passem a gostar, que (ainda que pequena) uma parcela da sociedade recicla seu lixo e não desperdiça água, e outras incontáveis coisas boas. Se eu não tivesse coração meu sangue não seria bombeado pra todo o resto do meu corpo e eu estaria morta. Ter coração é importante e todo mundo tem, mesmo que o de uns seja mais egoísta que o de outros. Todo mundo tem.

2 comentários:

Katrina disse...

para ser lido como oração. Belo

Ferdi disse...

Que coisa mais bonita de se dizer.
Obrigada :*